BRASÍLIA. A bancada evangélica da Câmara dos Deputados está confiante de que o projeto de lei (1904/24) que equipara ao crime de homicídio simples a realização do aborto após 22ª semana de gestação, mesmo em circunstâncias previstas por lei, será aprovado na Casa. A avaliação é a de que a repercussão negativa, nas redes sociais e em manifestações, já era esperada.
Para esses parlamentares, ouvidos pela reportagem de O TEMPO em Brasília, a postura deles permanece “fiel” ao seu eleitorado, especialmente em ano de eleições municipais, quando muitos elegem aliados para cargos de prefeitos e vereadores. Além disso, eles confiam que o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), cumprirá o acordo estabelecido com a Frente Parlamentar Evangélica (FPE).
O acordo remete a dois momentos: o primeiro, quando Lira foi reeleito presidente da Câmara em fevereiro de 2023, prometendo pautar o tema na Casa em troca de votos da bancada evangélica para sua eleição. O segundo momento mira a sucessão dele em fevereiro de 2025. Independentemente de quem ele apoiará para a liderança do Legislativo, ele já está buscando votos - o preferido, até então, é Elmar Nascimento (União Brasil-BA).
A bancada é expressiva, conta com 205 deputados. Um dos líderes do grupo mencionou que, assim como ocorreu com a aprovação do regime de urgência do projeto na última quarta-feira (12) — que foi aprovado em 24 segundos por meio de uma manobra regimental liderada por Lira — eles pretendem "esperar que as defensoras do aborto protestem enquanto garantem apoio nos bastidores".
O otimismo é grande: ele diz que o texto já conta com apoio de pelo menos 300 dos 513 deputados federais. Um dos motivos é o apoio recebido por entidades importantes, como a da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Além disso, ele cita que há um apelo do eleitorado em relação ao tema. Por isso, o intuito é “resolver o tema” antes do recesso parlamentar e as eleições deste ano.
No Senado, a história é outra
Os parlamentares da FPE sabem que, diferentemente da Câmara, por ora parece que não há espaço para o texto avançar no Senado Federal. Isso se deve ao presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que já indicou que o tema será tratado com “cautela” se aprovado pelos deputados federais. No entanto, para aqueles de olho nas eleições deste ano, isso pouco importa.
O mesmo cálculo se aplica à posição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o texto: mesmo se aprovado na Câmara e no Senado, o Palácio do Planalto vetaria. O importante, segundo outro líder, é mostrar aos eleitores que a bancada está empenhada em atender suas demandas, apesar de os "esquerdistas não permitirem".
Nesse "jogo de xadrez" mencionado pelos parlamentares, fica claro que, mesmo se o texto não for aprovado, eles já consideram que vão sair vencedores. A proposta fortalece a narrativa em um ano eleitoral e lhes concede mais espaço nas negociações na Câmara, onde o "Centrão" atualmente detém o poder e, com isso, pode barrar matérias de interesse do governo Lula.
Entenda o PL do Aborto
Na última quarta-feira (12) foi aprovado na Câmara dos Deputados o regime de urgência para o projeto de lei (1904/24) que equipara ao crime de homicídio simples a realização do aborto após 22ª semana de gestação, mesmo em circunstâncias previstas por lei. A manobra regimental foi aprovada no intervalo de 24 segundos.
O texto foi apresentado pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros 32 parlamentares. Com o regime de urgência, a proposta pode ser analisada diretamente em plenário sem ar pelo aval de comissões temáticas. Cabe ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), decidir quando o texto será analisado.
Atualmente, o aborto é permitido no Brasil em três situações: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto. Enquanto os dois primeiros cenários estão previstos no Código Penal de 1940, o último foi permitido pelo Supremo em 2012. Não há, contudo, limite de semanas para a realização do procedimento.
A proposição que tramita na Câmara permite que mesmo nesses casos autorizados por lei, adas 22 semanas de gestação, a mulher possa responder por homicídio simples, sujeita a uma pena que varia de 6 a 20 anos. A punição é mais severa do que a estabelecida para estupradores: em caso de vítima adulta, a pena é de 6 a 10 anos, e, em caso de vítimas menores de idade, vai de 8 a 12 anos.
Com a repercussão negativa, Lira disse que escolherá uma deputada “mulher, de centro e moderada”, para ser a relatora do projeto. Caso o texto seja aprovado no plenário da Câmara, seguirá para análise do Senado. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que um tema dessa natureza não seria tratado com urgência na Casa.