ARAXÁ (MG) - O ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou nesta sexta-feira (14) que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não vai apoiar nenhuma mudança na legislação atual sobre o aborto. Ele ressaltou que essa posição atende até mesmo demandas de líderes religiosos feitas ao longo da história do governo.
A fala foi dada a jornalistas antes do ministro participar do evento Conexão Empresarial, em Araxá, na região do Alto Paranaíba de Minas Gerais. Na ocasião, ele foi questionado sobre o projeto de lei que propõe equiparar ao crime de homicídio simples a realização do aborto após 22ª semana de gestação, mesmo em circunstâncias previstas por lei.
“O governo do presidente Lula ao longo da sua história, até atendendo solicitações de lideranças religiosas e da sociedade, sempre disse que nunca ia fazer nada para mudar a legislação atual do aborto no país. Nunca faria nenhum gesto ou ação para mudar a legislação de interrupção na gravidez no país”, disse.
“E nós continuamos com essa mesma postura. Não contem com o governo para mudar a legislação de aborto no país, ainda mais para um projeto que estabelece que uma mulher estuprada vai ter uma pena duas vezes maior do que do estuprador. Não contem com o governo para essa barbaridade”, completou Padilha.
Na última quarta-feira (12), a Câmara dos Deputados aprovou no intervalo de 24 segundos o regime de urgência para o Projeto de Lei 1904/24. Dessa forma, o texto apresentado pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros 32 parlamentares vai ser analisado diretamente em plenário sem ar pelo aval de comissões temáticas.
Na avaliação de Padilha, existem milhares de outros projetos na Casa que tiveram o regime de urgência aprovado, mas que não tiveram o mérito analisado posteriormente em plenário. Ele afirmou que o governo irá fortalecer sua articulação com as lideranças da Câmara para garantir que essa matéria não seja colocada em votação.
A aprovação do regime de urgência foi uma manobra feita pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). É ele quem decide quando o texto será analisado no plenário. Nos bastidores é dito que o alagoano resolveu “desenterrar” a proposta para conseguir o apoio da bancada evangélica na eleição para sucessão da Mesa Diretora da Casa, em fevereiro de 2025.
Atualmente, o aborto é permitido no Brasil em três situações: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto. Enquanto os dois primeiros cenários estão previstos no Código Penal de 1940, o último foi permitido pelo Supremo em 2012. Não há, contudo, limite de semanas para a realização do procedimento.
A proposição que tramita na Câmara permite que mesmo nesses casos autorizados por lei, adas 22 semanas de gestação, a mulher possa responder por homicídio simples, sujeita a uma pena que varia de 6 a 20 anos. A punição é mais severa do que a estabelecida para estupradores: em caso de vítima adulta, a pena é de 6 a 10 anos, e, em caso de vítimas menores de idade, vai de 8 a 12 anos.
Com a repercussão negativa, Lira disse que escolherá uma deputada “mulher, de centro e moderada”, para ser a relatora do projeto de lei na Casa. Caso o texto seja aprovado no plenário da Câmara, seguirá para análise do Senado. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou nesta quinta-feira que um tema dessa natureza não seria tratado com urgência na Casa. Ele também indicou ser contra o projeto de lei que equipara o crime de aborto ao de homicídio simples.
Padilha desconversa sobre retaliações
O ministro de Relações Institucionais ainda desconversou ao ser questionado se o governo Lula poderia adotar eventuais represálias contra partidos da base que votaram contra o Palácio do Planalto. Padilha reafirmou que o Planalto foi bem-sucedido ao votar a agenda central, que, segundo o ministro, são as pautas sociais e econômicas.
“O governo teve algumas derrotas em temas que não estavam nesta agenda econômica e social”, disse o ministro das Relações Institucionais. “E o conjunto dos partidos que compõem o governo e todos os ministros que compõem o governo nos ajudaram muito nessas votações”, completou.
Como já mostrou O TEMPO Brasília, há insatisfação entre membros do governo e aliados de Lula com a postura de parlamentares do União Brasil, do PSD, do MDB, do Republicanos e do PP, que, embora tenham ministérios, têm votado contra o Planalto. Alguns interlocutores do governo Lula defendem que os ministros destes partidos precisam ser mais cobrados para entrar na articulação.
A crise entre o Planalto e a base se aprofundou no fim de maio. Além de derrubar o veto de Lula à saída temporária de presos em feriados, o Congresso manteve um veto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) à criminalização das fake news na nova Lei de Segurança Nacional. Mais de 70% dos parlamentares do União e do PSD e mais de 60% do MDB, do Republicanos e do PP votaram contra o governo.