Após o Supremo Tribunal Federal (STF) homologar a adesão de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o governo Romeu Zema (Novo) voltou a pagar a principal parte da dívida de cerca de R$ 165 bilhões com a União nesta terça-feira (1º de outubro). Como previa o acordo, o Estado transferiu ao Tesouro Nacional cerca de R$ 287 milhões e, até o fim deste ano, irá desembolsar mais R$ 291 milhões em novembro e R$ 296 milhões em dezembro, totalizando R$ 874 milhões.
Até a aprovação do Programa de Pleno Pagamento da Dívida dos Estados com a União (Propag), alternativa encabeçada pelo presidente do Senado e potencial candidato ao governo de Minas Gerais, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o governo Zema pagará a dívida conforme as condições extraordinárias do RRF. O programa prevê apenas o pagamento de juros e encargos da dívida, ou seja, de uma parte inferior do montante, durante os nove anos de adesão de um Estado.
Em entrevista a O TEMPO, o secretário de Fazenda, Luiz Claudio Gomes, reiterou que, sem as condições oferecidas pelo RRF, o Estado não aria pagar a dívida de acordo com as condições ordinárias, que não preveem apenas juros e encargos. “Só para se ter ideia, este ano seriam R$ 6 bilhões que nós pagaríamos (sem a homologação) e, no ano que vem, seriam mais R$ 23 bilhões. São números completamente impossíveis”, frisou Luiz Claudio - a entrevista está disponível abaixo.
O governo Zema deveria ter iniciado o pagamento em janeiro deste ano, mas o prazo foi prorrogado sucessivas vezes pelo STF. Quando adere ao RRF, um Estado tem direito a um ano sem pagar qualquer parcela da dívida e, a partir do segundo, paga, ano a ano, uma prestação cada vez maior somente de juros e encargos. Ela começa em 11,11% e chega a 99,99% no último ano do programa. Os R$ 874 milhões que serão pagos até o fim de 2024 dizem respeito à do contrato de refinanciamento assinado.
O secretário de Fazenda reconheceu que, quando o governo propôs retomar o pagamento, fez um aceno à União para evitar que fosse expulso do RRF. “Desde abril, a gente estava enfrentando prazos limites, que, se ultraados, nós sairíamos do RRF. Saindo, íamos cair em um fluxo impossível (...) Foi uma sinalização ao Tesouro e à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) de que o Estado, se juntasse todas as exigências, estaria disposto a se comportar como se no RRF estivesse em termos de pagamento”, apontou Luiz Claudio.
Em agosto, logo depois de Nunes Marques prorrogar pela última vez o prazo para que o governo Zema voltasse a pagar a dívida, a Advocacia Geral do Estado (AGE) pediu pela primeira vez à União que a adesão ao RRF fosse dada como concluída, mesmo sem a anuência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, por receio de “integral desenquadramento ao RRF”. À época, a AGE alegou que a expulsão provocaria “grave prejuízo à continuidade da prestação dos serviços públicos em todas as suas esferas”.
Em razão da resistência dos deputados estaduais pelo alto custo político do RRF, como, por exemplo, a previsão de apenas duas recomposições salariais aos servidores em nove anos, o governo Zema não conseguiu ter a anuência da ALMG para aprovar a adesão. O texto-base até foi aprovado em 1º turno, mas não chegou a ser votado em definitivo. Além disso, o Palácio Tiradentes não chegou a alcançar o número de votos necessários para aprovar o teto de gastos, fatiado do projeto original.
Estado pagava só cerca de R$ 200 milhões mensais
Até este mês, o governo Zema pagava apenas as parcelas da dívida que deixou quitar entre janeiro de 2019 e junho de 2022, quando se beneficiou de nove liminares dadas pelo STF durante o período. Os valores foram renegociados entre o Estado e a União há dois anos, a partir de uma proposta apresentada pelo deputado estadual Hely Tarqüínio (PV), que é da oposição. Foram parcelados R$ 35,6 bilhões em 30 anos, e Minas pagava, mensalmente, cerca de R$ 200 milhões.
De acordo com Luiz Claudio, o Estado pagará, até o fim deste ano, R$ 1,5 bilhão, somadas as parcelas mensais de cerca de R$ 200 milhões e os R$ 874 milhões. “A gente ia gastar no ano R$ 800 milhões e pouco (só com as parcelas anteriores). A gente vai gastar R$ 1,57 bilhão neste ano, juntando o que já paguei antes da homologação e os três meses finais - outubro, novembro e dezembro -, em que vou pagar R$ 874 milhões”, detalhou.
Já em 2025, o governo Zema pagará R$ 6 bilhões ao longo do ano. “A parcela mensal (de cerca R$ 287 milhões) aumenta. A gente vai sair de R$ 286 milhões para R$ 500 milhões e pouco. No final do ano, vão ser R$ 6 bilhões. Em 2026, a gente vai alcançar um novo parâmetro e vai pagar cerca de R$ 8 bilhões”, projetou o secretário de Fazenda.
Leia a entrevista com Luiz Claudio Gomes:
O TEMPO - O governo Zema vai migrar para o Propag assim que ele for aprovado pelo Congresso e regulamentado pelo presidente Lula?
Luiz Claudio Gomes - O governador já se manifestou desta maneira e, também, é uma condição do texto (Propag) quando ele estava sendo discutido no Senado. O texto que saiu do Senado é muito mais palatável se compararmos com o texto do RRF. Se o texto do Propag aprovado pelo Senado sobreviver na Câmara dos Deputados, vai ser um texto que tem um indexador melhor e uma possibilidade de abater o estoque da dívida muito mais fácil, porque você vai abater com uma quantidade de ativos maior. Hoje, no RRF, não consta nenhuma possibilidade de federalização. Então, é um texto mais difícil. O indexador é maior, IPCA mais 4%. No Propag, você pode chegar a IPCA mais 1%, utilizando um rol de ativos muito maior. Então, é um texto muito mais benéfico para o Estado se compararmos com o RRF. Então, não há dúvidas. A gente vai escolher o que for melhor para o Estado.
Os pré-requisitos que o Estado não cumpria para aderir ao RRF estão sendo agora negociados entre a Secretaria de Fazenda e o Tesouro Nacional?
A decisão do STF homologou o plano de recuperação fiscal e ultraou a necessidade de aprovação de um projeto de lei na ALMG. O texto que faltava era a regra do teto de gastos. Este texto foi ultraado por um decreto que o governador publicou, decreto este que foi ajustado junto com a PGFN e com a Advocacia Geral da União (AGU). O decreto do teto de gastos foi o que permitiu a petição conjunta entre o Estado de Minas Gerais e a AGU que permitiu que o STF chegasse àquela decisão de homologar o RRF. Então, não dependemos de nenhuma ação da ALMG neste momento.
O aumento de 300% para o governador, para o vice e para os secretários, apontado pelo Conselho de Supervisão do RRF como um ponto que viola as regras, foi pacificado?
Já foi pacificado. Se fala muito que o RRF veda a revisão geral anual, a progressão, promoção, concursos públicos, issão etc., ele veda. Mas a gente tem que entender que no mesmo artigo que veda, tem um parágrafo que permite que, caso esteja previsto e ressalvado no plano de recuperação fiscal enviado ao Tesouro, todas as despesas podem ser feitas. O que o RRF quer é que o Estado tenha condição de se recuperar em nove anos, o que faz com que nós tenhamos previsibilidade. Eu tenho que ter a previsibilidade da receita e das despesas. Se essas despesas que estão vedadas forem ressalvadas de maneira explícita, elas são permitidas. Por exemplo, se falou que não poderia mais ter concurso público. No texto que nós enviamos ao Tesouro, a gente tem a realização de mais de 4.000 mil vagas para a Polícia Militar, para a Polícia Civil etc. (...) O que é vedado é fazer uma despesa sem ela estar prevista ou compensada.