Apesar dos esforços do governador Romeu Zema (Novo) e do vice Mateus Simões (Novo) nas últimas semanas para rebater acusações de que o Estado não paga a dívida de cerca de R$ 165 bilhões com a União, 57,7% dos valores até hoje quitados foram desembolsados pelo Estado após uma renegociação proposta pelo ex-deputado estadual Hely Tarqüínio (PV) há dois anos. Hely, que não foi reeleito nas eleições de 2022, fazia oposição a Zema na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
De acordo com dados divulgados por Zema na última sexta-feira (19/7), Minas Gerais pagou, desde 2019, quando iniciou o primeiro mandato do governador, R$ 7,7 bilhões da dívida com a União. Deste total, R$ 4,46 bilhões foram quitados após o governador sancionar uma proposta de Hely, aprovada por unanimidade pela ALMG ainda em maio de 2022.
Amparado no artigo 23 da Lei Complementar 178/2021, o Projeto de Lei 3.711/2022 autorizou o Estado a celebrar um contrato de refinanciamento de parte da dívida com a União. Ali, a proposta de Zema para a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), encaminhada à ALMG ainda em 2019, já enfrentava resistência dos deputados, sobretudo do presidente à época e hoje conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Agostinho Patrus.
A intenção de Hely era pressionar o governo Zema a voltar a pagar a dívida e por meio do artigo 23, que não exigia as mesmas contrapartidas da adesão ao RRF. Desde o início do mandato, o programa era tratado pelo Palácio Tiradentes como a única alternativa para equacionar a dívida de Minas com a União. O artigo 23 autorizava os Estados a renegociarem apenas as dívidas que deixaram de pagar por decisões judiciais.
À época, Minas estava desde novembro de 2018, ainda durante o governo Fernando Pimentel (PT), sem quitar o saldo devedor em razão de liminares dadas pelo Supremo Tribunal Federal. A primeira liminar, de 2018 mesmo, suspendeu o pagamento das parcelas da dívida direta com a União. Outras sete, todas de 2019, já durante o governo Zema, interromperam o pagamento das dívidas com instituições financeiras em que a União é avalista.
Zema sancionou a proposta de Hely em 20 de junho de 2022, a dez dias do fim do prazo dado pelo artigo 23 para que os Estados renegociassem os valores suspensos por decisões judiciais. O governador refinanciou R$ 35,6 bilhões em 30 anos. Naquele momento, a dívida pública de Minas Gerais já havia crescido 36,88% sob Zema, saltando de R$ 114 bilhões para R$ 156 bilhões em razão do indexador, que é formado pelo IPCA, mais uma taxa de juros de 4%.
Questionado por O TEMPO por que não fez o refinanciamento antes, o governo Zema pondera que priorizou o pagamento de uma dívida de R$ 30 bilhões com prefeituras, servidores, fornecedores e outros poderes herdada de Pimentel, e, somente depois, teve espaço fiscal para retomar o pagamento da dívida com a União. “Por isso, também em junho de 2022, o governo fez a adesão ao artigo 23. A lei que autoriza a renegociação pelo artigo 23, aprovada pela ALMG e sancionada pelo governador, é uma lei autorizativa”, acrescenta.
O Palácio Tiradentes defende que, uma vez dada a autorização legislativa, a decisão de adesão ou não ao artigo 23 cabe, em última instância, ao Executivo. “Portanto, essa adesão só foi possível em junho de 2022 em função da quitação de parte da dívida junto aos municípios e servidores e, também, pelo Estado ter alcançado o equilíbrio fiscal em 2021, o que não ocorria desde 2012. Se não houvesse espaço fiscal para retomada do pagamento, não seria possível viabilizar a adesão ao refinanciamento”, argumenta.
O governo Zema ainda aponta que as condições do artigo 23 já estavam previstas na proposta de adesão ao RRF em tramitação na ALMG. "O valor global parcelado pelo artigo 23 foi de R$ 35,6 bilhões. Vale ressaltar que o Estado obteve um desconto de R$ 6 bilhões na operação, referente ao recálculo das parcelas inadimplidas dos contratos istrados pela Secretaria do Tesouro Nacional, mediante aplicação dos encargos de adimplência", detalha.
R$ 2,5 bi foram pagos com a compensação das perdas do ICMS
Dos R$ 4,46 bilhões desembolsados por meio da proposta de Hely, R$ 2,5 bilhões vêm dos recursos que entram mês a mês nos cofres do Estado, desde o ano ado, para compensar as perdas de arrecadação com o ICMS sobre combustíveis acumuladas durante o fim do governo Jair Bolsonaro (PL). A Advocacia Geral do Estado foi ao STF para reivindicar que os recursos para compensar as perdas fossem utilizados diretamente para abater a dívida de Minas com a União.
Em meio à pré-campanha para a reeleição, em junho de 2022, Bolsonaro derrubou o teto do ICMS sobre combustíveis para uma alíquota entre 17% e 18% ao considerá-los como “essenciais”. Zema, então, abaixou a porcentagem de 31% para 18% em Minas. “Hoje, é um dia extremamente especial, primeiro porque pela primeira vez na história, pelo que tenho conhecimento, o preço do combustível no estado está sendo reduzido e os impostos caíram”, comemorou o governador.
Os R$ 2,5 bilhões correspondem a cerca de 66% do total que Minas receberá por conta do acordo de compensação firmado entre os Estados e a União em outubro de 2023. O governo Zema recebeu, respectivamente, em 2023 e 2024, cerca de R$ 846 milhões e R$ 1,7 bilhão para compensar as perdas de arrecadação com o ICMS acumuladas no segundo semestre de 2022. A previsão é de que em 2025 o Estado receba os cerca de R$ 846 milhões restantes.
Menor parte é de outros acordos de refinanciamento
Dos R$ 3,27 bilhões restantes da dívida paga com a União, Estado pagou R$ 2,31 bilhões de contratos de refinanciamento anteriores ao artigo 23. Foram R$ 2,28 bilhões pagos no âmbito da Lei 9.496/1997, editada ainda durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e R$ 27,2 milhões no âmbito do contrato Dívida de Médio e Longo Prazo, que reestruturou parcelas não pagas entre 1991 e 1994 com credores privados estrangeiros.
O Palácio Tiradentes ainda defende que já pagou cerca de R$ 1 bilhão do saldo devedor em que o governo federal é avalista, ou seja, fiador das operações de crédito tomadas por Minas. O governo Zema alega que já quitou dívidas com a Caixa, o Banco do Brasil, o BNDES e o Banco do Nordeste do Brasil. O Executivo ressalta que as operações foram contratadas “em datas anteriores ao início do governo Romeu Zema”.
Parcelas atuais seguem suspensas
Embora tenha renegociado os valores da dívida que deixou de quitar até 2022, o governo Zema não paga as parcelas correntes, ou seja, aquelas que, desde julho de 2022, vencem mês a mês. A suspensão do pagamento é garantida pelas liminares dadas pelos ministros Kassio Nunes Marques e Edson Fachin desde dezembro do ano ado, que, na prática, estenderam para quase dois o ano de carência que Minas teria por ter ingressado no RRF.
A partir do momento que a adesão ao programa é autorizada, os Estados gozam de 12 meses sem pagar as parcelas da dívida. Apenas a partir do segundo ano eles começam a quitá-las. A primeira parcela a ser paga é de 11,11% dos juros e encargos. Ela cresce 11,11 pontos percentuais por ano até alcançar 100% ao fim dos nove anos de vigência do RRF. Embora já tenha iniciado os trâmites para a adesão ao programa, são estas parcelas que o governo Zema não paga.