BRASÍLIA – O processo sobre a morte do ex-deputado federal Rubens Paiva está parado, à espera de um posicionamento da Procuradoria-Geral da República (PGR). O caso dele, cassado após o golpe de 1964, torturado e morto sete anos depois, durante a ditadura militar, é retratado em “Ainda Estou Aqui”, filme que na quinta-feira (23) foi anunciado em três categorias do Oscar 2025.
Rubens Paiva foi levado da casa dele, no Rio de Janeiro, por agentes do Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa), no feriado de 20 de janeiro de 1971 (dia de São Sebastião). Paiva foi violentado no quartel da Força Aérea Brasileira (FAB). Depois, foi entregue a militares do Exército nos porões do DOI-Codi. Ele foi torturado e assassinado na mesma noite ou nos dias seguintes, segundo o apurado pela Comissão Nacional da Verdade, em 2014.
Apenas mais de três décadas depois o governo brasileiro reconheceu sua morte, apesar de nunca terem encontrado o corpo. Eunice Paiva, a viúva, somente obteve o atestado de óbito em fevereiro de 1996. Agora, o documento foi corrigido para descrever os horrores pelos quais ele ou e deixar claro que ele foi vítima da ditadura militar.
A nova versão do documento descreve que a causa da morte foi “não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964”.
A mudança atende uma resolução aprovada em dezembro de 2024 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que obriga a corrigir a certidão de 202 vítimas da ditadura. Os 232 desaparecidos oficiais durante o regime militar também terão direito a um atestado de óbito.
Três dos cinco acusados já morreram
Após o lançamento e sucesso de crítica e bilheteria de “Ainda Estou Aqui”, soube-se que o governo federal paga R$ 140 mil por mês aos militares denunciados pelo assassinato de Rubens Paiva.
Em 2014, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou os cinco militares reformados pela morte de Paiva: José Antônio Nogueira Belham, Jacy Ochsendorf e Souza, Rubens Paim Sampaio, Jurandyr Ochsendorf e Souza e Raymundo Ronaldo Campos – Sampaio, Jurandyr e Campos já morreram. Eles foram acusados de homicídio doloso qualificado, ocultação de cadáver, fraude processual e quadrilha armada.
A Justiça Federal do Rio de Janeiro aceitou a denúncia no mesmo ano e abriu processo contra os oficiais. Foi a primeira vez que o Judiciário brasileiro abriu uma ação penal contra militares por assassinato na ditadura militar. Mas, em 2021, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) atendeu pedido da defesa dos acusados e suspendeu o andamento da ação penal.
Os advogados dos militares apontados como assassinos de Rubens Paiva se basearam na Lei da Anistia, que “perdoou” aqueles que praticaram crimes políticos, e relacionados, entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a lei se estende também para agentes estatais, “pois teria sido fruto de um consenso no período de abertura da ditadura”.
MPF aponta crimes contra a humanidade
Mas o MPF recorreu ao STF. Procuradores que assinam recurso contra a decisão do STF afirmaram que as acusações contra os militares no caso Rubens Paiva são crimes contra a humanidade, pois foram cometidos por agentes estatais durante a ditadura militar. Por isso, são imprescritíveis, ou seja, não têm prazo para serem julgados. lembraram ainda que o Brasil se comprometeu a seguir a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre os desaparecidos na Guerrilha do Araguaia.
Apesar de Rubens Paiva não ter participado da Guerrilha do Araguaia, em que militantes de esquerda decidiram se unir em uma região do Pará para luta armada contra o regime militar, o MPF entendeu que o caso do ex-deputado se encaixa na sentença da Corte Interamericana. Ela diz ser dever do país investigar e responsabilizar criminalmente autores de desaparecimentos e graves violações dos direitos humanos.
Em 27 de novembro de 2024, o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, pediu à PGR uma análise sobre o processo. A procuradoria precisa decidir se a ação contra os acusados deve prosseguir. Mas não há prazo para a manifestação.
Em dezembro, o ministro Flávio Dino propôs que a Lei da Anistia não contemple a ocultação de cadáver. Em sua justificativa, ele citou “Ainda Estou Aqui”: “A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos seus direitos quanto aos familiares desaparecidos”.
Iphan vai tombar prédio onde Rubens Paiva foi torturado e morto
O prédio onde foi torturado e morto Rubens Paiva deve ser tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ainda em 2025. No mesmo espaço sofreram violências dezenas de vítimas da ditadura militar (1964-1985).
No prédio em questão, que fica no Rio de Janeiro (RJ), funcionava o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) no Rio de Janeiro (RJ), localizado na Rua Barão de Mesquita, no bairro da Tijuca.
O DOI-Codi foi um órgão ligado ao Exército, que funcionou na ditadura militar como uma agência de repressão política, entre 1964 e 1984. No local, os considerados inimigos do governo eram encarcerados, torturados e mortos.
Havia unidades do DOI-Codi em diferentes cidades, como São Paulo, Recife e Porto Alegre, além do Rio de Janeiro. No Rio, o prédio onde o órgão funcionou abriga atualmente o 1º Batalhão de Polícia do Exército do Rio de Janeiro.
Agora, o Iphan quer tombar o prédio do DOI-Codi no Rio e transformá-lo em um espaço de memória. O instituto segue recomendação do MPF, divulgada na terça-feira (21). O MPF demandou que o órgão priorize o tombamento do prédio, cujo processo, de acordo com a instituição, tramita no Iphan desde 2013.
Em nota, o Iphan disse que o pedido de tombamento do prédio “está em processo de análise. Esta é uma das demandas prioritárias da autarquia para o ano de 2025”. O órgão acrescentou que aguarda a autorização do Exército para fazer uma visita técnica ao local.
“No momento, o Instituto está fazendo uma nova tentativa de avanço no processo, e aguarda a autorização do Exército para realizar a visita técnica, indispensável para a continuidade e conclusão da análise”, disse o instituto em nota. “O Iphan reafirma seu compromisso em preservar os lugares de memória, indispensáveis para a manutenção da democracia brasileira”, concluiu.