TELEVISÃO

Redemocratização, censura, corrupção: entenda o contexto em que 'Vale Tudo' estreou em 1988

Segundo pesquisadores, novela da Globo conversa com o período em quem foi exibida pela primeira vez

Por Renato Lombardi
Publicado em 30 de março de 2025 | 07:00

A primeira versão de "Vale Tudo", que estreou na Globo em maio de 1988, está inserida em um contexto político muito importante no Brasil. “É a novela da reabertura, então eu sinto que, naquele momento, poder falar era muito importante”, afirma a autora Manuela Dias, responsável pelo remake, que estreia nesta segunda-feira (31), na Globo.

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“Ela já é um marco por si só porque é a última novela das oito a ter os capítulos censurados, analisados pela censura e tem questões vetadas. A censura acaba no Brasil oficialmente com a promulgação da Constituição, o que aconteceu em outubro de 1988, quando a novela estava por volta do capítulo 120. Então ela sofre censura da Divisão de Censura e Diversões Públicas (DCDP) até outubro”, pontua a professora e doutora em história e culturas políticas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Gabriela Galvão,  que no doutorado defendeu a tese “‘Enquanto os homens exercem seus podres poderes’: movimentos sociais, censura e repercussão na imprensa das telenovelas Um Sonho a Mais (1985), Mandala (1987) e Vale Tudo (1988)”.

Gabriela cita que, quando “Vale Tudo” estreou, já havia “ado a euforia do fim da ditadura, das Diretas Já!” e que, a partir de 1986, a imprensa havia começado a noticiar os escândalos de corrupção no governo Sarney. “‘Vale Tudo’ conversa muito com o tempo que ela está inserida. Talvez a novela tenha sido um marco político por causa disso, por conta da época que ela ou e por conta da discussão”, diz a professora, que comenta uma das inspirações para a história do folhetim.  

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“Gilberto Braga falava, e isso é citado na biografia dele, que tinha um tio que era fiscal da Receita Federal em Foz do Iguaçu; ele inclusive ele faz uma homenagem a esse tio porque o pai da Raquel, o avô da Maria de Fátima, é fiscal da Receita em Foz do Iguaçu e as pessoas da família zombavam do cara, falando que ele era o único fiscal honesto do Brasil. Aí o Gilberto Braga começa a pensar nessa coisa: é possível ser honesto em um país de desonestos?”, relata Gabriela. 

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Reynaldo Maximiano, roteirista, professor e pesquisador de teledramaturgia, acrescenta que a novela é inspirada no filme “Alma em Suplício” (1945), estrelado por Joan Crawford, que traz a história da mãe desprezada pela filha - no caso da novela, gira em torno da relação de Raquel com Maria de Fátima (interpretada por Gloria Pires em 1988, e, agora, por Bella Campos). “Mas a discussão mesmo se concentra no personagem Ivan (vivido por Antonio Fagundes na primeira versão, e, em 2025, por Renato Góes), e esse arco só vai vir no final da trama, que é quando ele suborna um funcionário público, vai preso e escreve no final da trama o livro ‘Vale Tudo’”, detalha.

“Eu acho que o grande lance de ‘Vale Tudo’, pensando dramaturgicamente e também no contexto histórico-político, ao final Gilberto chega à conclusão de que a honestidade não vale. Porque tirando a Odete Roitman, que é assassinada, os dois outros grandes vilões da novela, que são o Marco Aurélio e a Maria de Fátima, e o César ali de tabela, se dão bem e têm um final feliz”, analisa Gabriela.

“Ao contrário dessa coisa do melodrama, de que tem que ter uma lição de moral no final, a telenovela brasileira já tinha rompido um pouco com essa questão de melodrama, já tinha tido outros finais felizes para vilões, mas eu acho que em ‘Vale Tudo’ isso fica muito explícito, porque o tempo todo se discute a honestidade, e no fim das contas os desonestos se dão bem, os honestos se dão bem também… todo mundo tem um final feliz”, ela destaca.