Uma guerra sangrenta que, nos últimos meses, já fez quase 20 vítimas em dois aglomerados, localizados a cerca de 1 km um do outro em cidades diferentes na região metropolitana de Belo Horizonte, e que tem origem na briga entre dois dos maiores traficantes de Minas Gerais. A batalha que envolve os traficantes da Vila da Paz, em Contagem, e da Vila Joana D'Arc, no Barreiro, em BH, vem aterrorizando moradores das duas comunidades, que, desde o fim de 2022, vivem com medo de sair de casa e serem atingidos por balas perdidas, como adiantou O TEMPO

Para se ter ideia da dimensão da "batalha" entre os criminosos, somente na última semana três assassinatos foram registrados na região, alguns deles em plena luz do dia, o que aumentou ainda mais o temor de quem vive nas duas comunidades.

Nesta terça-feira (31), o julgamento de dois integrantes de uma das facções envolvidas nesta disputa por outro crime, cometido em 2007, foi adiado para março e, após a marcação da nova data, o promotor de Justiça Henry Wagner Vasconcellos de Castro conversou com O TEMPO e deu detalhes sobre a guerra que vem preocupando as autoridades. 

Briga de "cachorro grande"

Conforme Vasconcellos, a origem da guerra remete à batalha pelo comando do território da Vila da Paz entre dois dos maiores traficantes da região metropolitana da capital mineira.

"Temos informações, que têm como fonte diversos braços da inteligência do Estado, que dão conta de que a Vila da Paz é um território que foi perdido pelo famoso Edilson Ferreira do Carmo, o 'Dilsinho da Vila da Paz', e que foi assumido pelo Marcelo Jaime, o 'Marcelinho Pisca-Pisca'", detalhou o promotor na entrevista. 

"Dilsinho" é um famoso traficante, que teria ligação com o Comando Vermelho (CV), facção carioca que é uma das maiores do país. Condenado a 236 anos prisão, ele foi detido em São Paulo, em 2018, no momento em que se preparava para ar por uma plástica no rosto para evitar de ser reconhecido. Ele foi recapturado dias depois de fugir de uma penitenciária de Juiz de Fora, na Zona da Mata. 

Já "Pisca-pisca" é outro conhecido criminoso da Grande BH. Ele é apontado como o "chefão" do tráfico nos bairros Cabana do Pai Tomás e Vista Alegre, ambos na região Oeste de Belo Horizonte. Em agosto do ano ado, a esposa dele, uma advogada de 26 anos, foi presa por usar sua profissão para levar informações e colaborar com o traficante. Em dezembro ele obteve direito a uma saída temporária e não teria retornado à unidade prisional. 

Homicídio em Divinópolis reacendeu disputa

Em agosto de 2021, a guerra teria sido retomada após "Pisca-pisca" supostamente ter ordenado a morte de um traficante de Divinópolis, na região Centro-Oeste de Minas, que seria parceiro de Israel Efraim Gomes, o "Rael" - que teve o julgamento adiado nesta terça - e de outro criminoso chamado Dalmo, mais conhecido como "Anjo Rebelde", ambos ligados a "Dilsinho" e com território firmado na Vila Joana D'Arc. 

"Para vingar a morte desse parceiro de criminalidade de Divinópolis, ainda conforme as informações da inteligência, se instalou essa guerra que, somente nos últimos meses, já resultou em diversos homicídios, quase 20, sendo nove deles em Contagem", pontuou Vasconcellos. 

Operação

Após mais uma morte ser registrada na última semana, a Polícia Militar (PM) deflagrou uma operação na Vila da Paz no último sábado (28). Na quinta-feira (26), um rapaz de 19 anos foi assassinado no local, a terceira morte na mesma semana. 

De acordo com o aspirante Carlos Júnior, do 39º Batalhão, responsável pela área, a região recebeu incremento de mais agentes e viaturas após o homicídio. Os agentes fizeram rondas em toda a área com o objetivo de "evitar novos confrontos e manter a segurança". 

A corporação voltou a ser procurada nesta terça-feira (31), mas até o fechamento desta matéria, não respondeu aos questionamentos. A reportagem questionou a Secretaria de Estado e Segurança Pública que informou que "atua de forma conjunta e integrada com a Polícia Militar e a Polícia Civil, compartilhando informações de Inteligência que contribuem para a tomada de decisões integradas, rápidas e direcionadas". 

"Ressaltamos que as forças de segurança pública de Minas trabalham diuturnamente para a manutenção da ordem pública e de um estado seguro", afirmou a pasta em nota.  

O Ministério Público de Minas Gerais também foi demandado mas não posicionou. A matéria será atualizada assim que os posicionamentos forem chegando.

Traficantes precisam sentir no bolso

"As boas experiências de contenção de homicídios resultado de impor custos aos traficantes. Eles precisam perceber que matar pessoas vai trazer prejuízo". A afirmação é do sociólogo e especialista em segurança pública Luis Flávio Sapori, que aponta como solução imediata uma "saturação do espaço", com a presença massiva de policiais militares e civis. "Com isso, impor prejuízos ao tráfico de drogas no local. Mostrar para esses traficantes que eles terão prejuízos, que as pessoas não irão às bocas de fumo, que elas serão impedidas  de comprar e consumir drogas", exemplifica. 

Esse tipo de conflito entre gangues é uma realidade das grandes cidades no Brasil. Conforme especialistas, a maior parte dos homicídios é consequência destes tipos de conflitos, provocados por organizações criminosas que possuem no comando traficantes procurados e listados pela Justiça. "É algo comum, mas se torna preocupante à medida que a situação está fora do controle, com morte e insegurança dos moradores", indica Sapori. 

Segundo Arnaldo Conde, que também é especialista em segurança pública, a solução para essas situações vai além do maior efetivo policial nestas áreas tomadas pelo tráfico. "Não vai ser colocando 500 viaturas nestas comunidades que vai resolver esse problema. Isso é uma questão estrutural", alerta.

Conde acredita que situações como estas decorrem não da falta das instituições de segurança, mas de um programa de governo capaz de prevenir essa violência. "Imagina se em cada briga a polícia tiver que ir lá? Não tem efetivo. A PM faz a função dela, que é de atender as ocorrências. A discussão precisa ser pela prevenção e, por mais que possa parecer utopia, ela começa na educação, na oportunidade de trabalho", avalia.

Nota da Sejusp

"A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) atua de forma conjunta e integrada com a Polícia Militar e a Polícia Civil, compartilhando informações de Inteligência que contribuem para a tomada de decisões integradas, rápidas e direcionadas. Ressaltamos que as forças de segurança pública de Minas trabalham diuturnamente para a manutenção da ordem pública e de um estado seguro."  

Matéria atualizada às 18h24