O Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou nesta segunda-feira (1º) uma nota oficial sobre o Projeto de Lei 1904/24, também conhecido como “PL do Aborto”, que equipara o aborto acima de 22 semanas de gestação ao homicídio, aumentando de dez para 20 anos a pena máxima para quem fizer o procedimento. De acordo com o texto, o objetivo da instituição é “esclarecer narrativas improcedentes que têm circulado em veículos de comunicação e redes sociais”.
No texto assinado pelo presidente da entidade, José Hiran da Silva Gallo, o CFM afirma não ter participado da confecção do PL do Aborto, mas também não menciona que a resolução nº 2.378/2024, que proibia médicos de realizarem o procedimento de assistolia fetal em gestações com mais de 22 semanas decorrentes de estupro, serviu de base para o texto do projeto do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL/AL). Essa resolução da entidade foi suspensa pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
“O Projeto de Lei 1.904/2024, que equipara o aborto a partir de 22 semanas ao crime de homicídio, inclusive em casos de estupro, não teve participação ou contribuição do CFM em sua elaboração. Para esta autarquia, o tema deve ser discutido no âmbito do Congresso Nacional, que precisa ouvir todos os segmentos envolvidos, promovendo um amplo debate com a sociedade sobre o tema”, diz a nota.
O texto afirma ainda que o CFM “não tem qualquer ingerência sobre o funcionamento do serviço de aborto legal no país, cabendo ao Ministério da Saúde (MS) e gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) criarem condições para que atendam as demandas existentes”. Diz ainda que “o serviço de aborto legal configura um programa incorporado pelo Estado brasileiro que deve ser disponibilizado, segundo critérios definidos em lei e ditames éticos”.
Por outro lado, o CFM defende que o aperfeiçoamento da rede do aborto legal “reduziria o martírio das mulheres vítimas de estupro que, sem o a esse tipo de atendimento, são duplamente penalizadas: primeiro pelo agressor, depois pela inoperância do Estado”.
Várias entidades se manifestaram contrárias ao PL do Aborto, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A instituição aprovou, no dia 17 de junho, um parecer contrário ao projeto de lei.
Atualmente, o aborto é permitido no Brasil em três situações: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto.
A nota do CFM também aborda a questão da autonomia da mulher e citou a Constituição de 1988 e o Código de Ética Médica (CEM) para reforçar que “ao médico é vedado deixar de garantir a todos os pacientes o exercício do direito de pedir livremente sobre sua pessoa”.
Recentemente, uma vítima de estupro que teve aborto legal negado em hospitais da cidade de São Paulo disse que um dos médicos que a atendeu a forçou a saber o sexo do bebê, apesar de ela não ter dado consentimento.
Por fim, a instituição afirma que não deseja “penalizar indivíduos ou segmentos populacionais” e “lamenta as distorções às quais esses temas têm sido submetidos, numa tentativa de politizar as discussões”.
Veja o texto na íntegra:
"Com a intenção de esclarecer a população e os médicos a respeito de narrativas improcedentes que têm circulado em veículos de comunicação e redes sociais, o Conselho Federal de Medicina (CFM) se manifesta abaixo sobre os seguintes temas:
Aborto Legal
O serviço de aborto legal configura um programa incorporado pelo Estado brasileiro que deve ser disponibilizado, segundo critérios definidos em lei e ditames éticos.
O CFM não tem qualquer ingerência sobre o funcionamento do serviço de aborto legal no país, cabendo ao Ministério da Saúde (MS) e gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) criarem condições para que atendam as demandas existentes. No Brasil, há, atualmente, 92 serviços desse tipo, distribuídos em 20 estados. Dentre eles, 32 são referenciados pelo MS, a grande maioria desses estabelecimentos está no Sul e Sudeste.
O aperfeiçoamento da rede do aborto legal reduziria o martírio das mulheres vítimas de estupro que, sem o a esse tipo de atendimento, são duplamente penalizadas: primeiro pelo agressor, depois pela inoperância do Estado.
PL 1.904/2024
O Projeto de Lei 1.904/2024, que equipara o aborto a partir de 22 semanas ao crime de homicídio, inclusive em casos de estupro, não teve participação ou contribuição do CFM em sua elaboração.
Para esta autarquia, o tema deve ser discutido no âmbito do Congresso Nacional, que precisa ouvir todos os segmentos envolvidos, promovendo um amplo debate com a sociedade sobre o tema.
Autonomia da mulher
Conforme previsto pela Constituição de 1988 e pelo Código de Ética Médica (CEM), em vigor, ao médico é vedado deixar de garantir a todos os pacientes o exercício do direito de pedir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, o qual fica limitado aos pressupostos definidos pela lei.
O CFM é um aliado da população feminina, sem qualquer intenção de limitar ou excluir direitos. Muito menos de penalizar indivíduos ou segmentos populacionais, já historicamente privados de conquistas e até da sua cidadania.
Finalmente, o CFM lamenta as distorções às quais esses temas têm sido submetidos, numa tentativa de politizar as discussões e confundir a população, gestores, tomadores de decisão e até profissionais da medicina. Inclusive, nesse processo, interferem indivíduos que atuam em defesa de interesses particulares, desrespeitando as normas vigentes.
Brasília, 1º de julho de 2024
José Hiran da Silva Gallo, presidente do CFM"