BRASÍLIA – A Interpol incluiu o nome da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) na lista de foragidos internacionais. A medida atende a um pedido da Polícia Federal (PF) em cumprimento da determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
O nome da deputada foi inserido nesta quinta (5) na “difusão vermelha”, banco de dados de pessoas procuradas pelas polícias dos 196 países-integrantes da Interpol. Ela é considerada foragida da Justiça brasileira desde quarta (4), quando Moraes expediu mandado de prisão preventiva.
Na mesma decisão, Moraes determinou que a PF realizasse os procedimentos para a inclusão da deputada na lista da Interpol. O pedido foi aprovado por um conselho sediado em Lyon, na França. De acordo com o artigo 3 da Constituição da Interpol, a inclusão só pode ocorrer se a solicitação não tiver motivação “política, religiosa, racial ou militar”.
Zambelli anunciou na terça (3) que deixou o Brasil, após ser condenada a 10 anos de prisão por invasão aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Desde então a parlamentar tem mudado versões sobre a viagem, em especial sobre seu destino.
Na manhã desta quinta, o youtuber e empresário Paulo Figueiredo Filho disse, em rede social, que Zambelli “já está bem e em segurança na Itália”. Na quarta, a parlamentar afirmou estar nos Estados Unidos. Mas, primeiro ela anunciou, em uma live no Youtube, terça, que estava na Europa.
No entanto, no mesmo dia, o marido da deputada afirmou, em entrevista à CNN Brasil, que ambos estavam nos Estados Unidos. Já na noite do mesmo dia, Zambelli disse, também à CNN, que estava na Flórida.
Já Paulo Filho, que é neto de João Figueiredo, o último presidente da ditadura militar – governou o Brasil entre 1979 e 1985 – mora nos EUA e é o principal aliado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) na ofensiva contra o STF naquele país.
Paulo Filho é economista e foi comentarista da Jovem Pan. Agora, é influenciador digital e tem um canal no YouTube com cerca de 455 mil inscritos. Ele é apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ex-sócio de Donald Trump.
Paulo é alvo do inquérito das fake news no STF e foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por tentativa de golpe, com pedido de prisão preventiva em aberto. Paulo está no chamado núcleo 5 – é o único. Os outros 31 denunciados estão divididos em quatro grupos.
Os outros quatro núcleos já tiveram as denúncias analisadas pela Primeira Turma do Supremo, com os 31 denunciados se tornando réus. O STF não tem previsão para julgar a aceitação ou não da denúncia contra Paulo Filho.
A Justiça brasileira não conseguiu localizá-lo ou a sua defesa para notificação. O gabinete de Moraes, relator do processo, pediu para ele ser notificado em demanda para a Justiça Federal no Rio de Janeiro, onde está registrado o endereço residencial que tinha no Brasil.
Sem encontrá-lo no endereço, o pedido de notificação voltou ao gabinete de Moraes. Após ouvir a posição da PGR, o ministro mandou, em fevereiro, a intimação ser realizada por edital e deu 15 dias para a defesa de Figueiredo se manifestar.
Como não houve qualquer manifestação, Moraes mandou nomear um defensor público. Em 11 de abril, a Defensoria Pública da União (DPU) afirmou ao STF que ele estaria nos EUA, “em endereço incerto e não sabido”, e que não teria como apresentar uma defesa sem conseguir contato com ele.
A DPU também pediu a suspensão do processo. Esse pedido ainda aguarda análise de Moraes. Ao UOL, Figueiredo afirmou que não está foragido. “Uma pessoa que está nos EUA não está foragida, não está se furtando a prestar esclarecimento. Eu, inclusive em outros processos no ado, já compareci a consulado, já respondi a processo em que eu recebi carta rogatória”, afirmou.
Banco Central vai rastrear Pix feitos para Zambelli
O Banco Central (BC) vai levantar todos os valores e os remetentes de transferências via Pix recebidas por Zambelli. A instituição atende a uma ordem de Moraes, em decisão sobre abertura de nova investigação contra a parlamentar.
O magistrado determinou nesta quarta-feira (4) a abertura inquérito contra a deputada para apurar “suposta prática dos crimes de coação no curso do processo e obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa”.
Para Moraes, Zambelli pretende adotar o “mesmo modus operandi” usado por Eduardo Bolsonaro para a “prática de condutas ilícitas”. O filho de Jair Bolsonaro se mudou para os EUA em março. Ele tem dito que busca sanções contra Moraes e outras autoridades brasileiras. Zambelli disse querer fazer o mesmo.
Zambelli arrecadou ao menos R$ 285 mil em ‘vaquinha’ dizendo que era para pagar multas
Carla Zambelli recebeu ao menos R$ 285 mil de apoiadores, via Pix, antes de deixar o Brasil. A parlamentar dizia que a “vaquinha” virtual, organizada por ela mesma, visava pagar multas decorrentes de decisões do STF. Além dos 10 anos de prisão, o STF impôs à deputada uma indenização de R$ 2 milhões por danos morais e coletivos.
Zambelli deu início à campanha de arrecadação em 19 de maio. No mesmo dia, ela publicou um extrato bancário com saldo de R$ 166 mil e disse que sua conta estava com R$ 14 mil negativos antes do início da arrecadação. Já em 21 de maio, a deputada anunciou que estava com R$ 285 mil em sua conta.
Mesmo após deixar o Brasil, Zambelli continua pedindo Pix nas redes sociais. Ela ainda colocou os dados bancários na descrição de seus perfis. Também reou a istração de suas redes sociais para sua mãe, Rita Zambelli.
“Tomei a decisão de transferir oficialmente a titularidade das minhas redes sociais, como herança, para minha mãe, Rita Zambelli, uma mulher íntegra, de princípios sólidos, que carrega os mesmos valores que sempre defendi”, disse a deputada.
Zambelli ainda prosseguiu afirmando que sua mãe é também sua “pré-candidata a deputada federal no próximo ano, justamente para dar continuidade a essa luta que é de toda a nossa família e de milhões de brasileiros que se recusam a se curvar diante do autoritarismo”.
Zambelli não teve aporte confiscado nem perdeu redes sociais
Apesar de falar em perseguição e perda de direitos no Brasil, mesmo condenada à prisão, Zambelli não teve o aporte apreendido nem ficou impedida de deixar o Brasil. Por isso, viajou no fim de semana legalmente.
Em agosto de 2023, a deputada chegou a ter o aporte apreendido por determinação de Moraes, no contexto das investigações que levariam à condenação dela. Depois, o aporte foi devolvido, e, com isso, Zambelli ficou sem essa restrição para deixar o país.
Ao condenarem Zambelli à prisão, os ministros da Primeira Turma do STF declararam a perda automática do mandato da deputada. No entanto, Zambelli não perdeu o cargo automaticamente.
A perda da função de deputada só pode ser concretizada pela Câmara dos Deputados, conforme prevê a Constituição. O que já está valendo é a inelegibilidade da parlamentar por oito anos.
Zambelli também ainda pode apresentar embargos de declaração após a publicação do acórdão à decisão da Primeira Turma do STF. O recurso não tem poder de alterar a condenação, mas adia o trânsito em julgado do processo. Eventual prisão da parlamentar também precisa ser autorizada pela Câmara.
Contudo, a jurisprudência do STF é a de que se a pena for superior a 120 dias de prisão em regime fechado (o que é o caso), o próprio tribunal pode determinar a medida porque a Constituição prevê que o deputado perderá o mandato se faltar a um terço das sessões. Neste caso, cabe à Mesa Diretora da Câmara apenas declarar a perda de mandato.
O STF sentenciou Zambelli a cumprir pena em regime fechado pela invasão aos sistemas do CNJ. A decisão também atinge o hacker Walter Delgatti Neto, condenado a 8 anos e 3 meses de prisão.
Ele confessou ter inserido documentos falsos no sistema. Entre eles um mandado de prisão contra Alexandre de Moraes – o documento tinha do próprio ministro. Disse ter sido contratado por Zambelli, que confirmou a relação com o hacker, mas negou cometimento de crimes.
Primeira Turma do STF analisará recurso de Zambelli contra a prisão
Na noite de quarta-feira, Moraes pediu para a Primeira Turma da corte analisar em sessão virtual extraordinária, os recursos de Zambelli contra a condenação a 10 anos de prisão por invasão aos sistemas do CNJ. Presidente do colegiado, ministro Cristiano Zanin, acatou o pedido.
Após Zambelli anunciar que havia deixado o Brasil, Moraes decretou na quarta a prisão preventiva da deputada, atendendo a um pedido da PGR. De acordo com Moraes, a parlamentar tentou “se furtar da aplicação da lei penal” ao deixar o Brasil 20 dias após ter sido condenada pelo STF.
“Após a sua condenação, com a fuga do distrito da culpa, a ré declarou que pretende insistir nas condutas criminosas, para tentar descredibilizar as instituições brasileiras e atacar o próprio estado democrático de direito, o que justifica, plenamente, a decretação de sua prisão preventiva”, escreveu Moraes em sua decisão.
Moraes ainda mandou bloquear os aportes de Zambelli, inclusive o documento diplomático que a deputada possui em razão do cargo, e incluir o nome dela na lista de difusão vermelha da Interpol – da qual fazem parte 196 países – para viabilizar uma extradição.
O ministro do STF também mandou a Câmara suspender o pagamento de “vencimentos e quaisquer outras verbas” destinados ao gabinete de Zambelli. A decisão prevê ainda o bloqueio de transferências, inclusive por meio de Pix, de veículos e de canais e perfis nas redes sociais.
Inelegibilidade e condenações por ataques ao TSE e Lula
Carla Zambelli conseguiu ser reeleita em 2022, com 946.244 votos. Mas ela acumula pelo menos quatro condenações por fake news contra adversários políticos e o sistema eleitoral brasileiro. Principalmente naquele período eleitoral, o que pode lhe custar seu mandato.
Em dezembro de 2024, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) acatou uma ação movida pela deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP) contra Zambelli por fake news contra o processo eleitoral. Em janeiro de 2025, o TRE-SP cassou os direitos políticos de Zambelli por 8 anos.
Antes disso, em setembro de 2023, Zambelli, Mara Gabrilli e Flávio Bolsonaro foram condenados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a pagar R$ 10 mil a Lula por espalhar mentira que o petista pagou para não ser relacionado ao assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel (PT).
No dia 25 do mesmo mês, Zambelli foi multada em R$ 30 mil por divulgar a notícia falsa sobre a manipulação de urnas eletrônicas, publicada nas redes sociais durante a campanha eleitoral de 2022. Já em 20 de fevereiro de 2024, o TSE multou Zambelli em R$ 30 mil por propagação de desinformação contra o então candidato Lula em 2022.
Agora, enquanto diz buscar forças para enfrentar as decisões judiciais, além dos recursos que serão apresentados à Justiça, Zambelli afirma ter outro trunfo: a Câmara. Diz que o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), deu “sinal verde” ao líder do PL, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), para apresentar pedido de suspensão da ação penal contra ela no caso da invasão ao sistema do CNJ.