BRASÍLIA – Um youtuber brasileiro descobriu a localização exata onde a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) estava, com base em vídeo que a parlamentar fez no meio de uma rua, logo após ser considerada foragida pela Justiça brasileira, com um mandado de prisão expedido pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Fazendo mistério do seu paradeiro, um dia após dizer que havia deixado o Brasil com intuito de se estabelecer na Europa, Zambelli fez o vídeo para reclamar da decisão de Moraes. Na imagem, além de uma placa de sinalização de trânsito, aparecem apenas dois prédios e algumas árvores ao fundo. Foi o suficiente para o youtuber apontar o local.
Horas depois, o criador de conteúdo João Paschoal, que na internet é conhecido pelo codinome Geo Pasch, postou coordenadas mostrando que a gravação foi feita no estacionamento de uma loja em Fort Lauderdale, no estado da Flórida, Estado Unidos. Ele é especialista nesse tipo de trabalho, usando a metodologia GeoGuessr.
Geo Pasch deu mais detalhes da localização da parlamentar. Afirmou que ela estava em frente a uma farmácia na Galt Ocean Drive, em Fort Lauderdale, região conhecida por seus condomínios residenciais, que fica próxima à North Ocean Boulevard, via que corta parte da orla da cidade, localizada na região metropolitana de Miami.
Tudo foi publicado na conta de Geo Pasch no X, com a seguinte chamada, seguido de coordenadas de geolocalização: “Coordenadas para a polícia prender ela em flagrante”. Até a manhã desta quinta-feira (5), a publicação tinha mais de 3,7 milhões de visualizações, 7 mil compartilhamentos e mil comentários.
Na última terça (3), Zambelli anunciou, em uma live no Youtube, que havia deixado o Brasil no fim de semana para se fixar na Europa, e que vai pedir o afastamento de seu mandato na Câmara, seguindo o exemplo do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está nos EUA desde março, alegando perseguição política.
Zambelli afirmou na live que estava na Europa havia alguns dias, mas o marido da deputada afirmou, em entrevista à CNN Brasil, que ambos estavam nos Estados Unidos. Já na noite do mesmo dia, Zambelli disse, também à CNN, que estava na Flórida.
Também à CNN, depois da participação na live no Youtube, Zambelli disse que deve morar na Itália, país do qual possui cidadania, o que, de acordo com ela, impediria uma eventual deportação para o Brasil. Por isso, segundo ela, vai se tornar “intocável”.
“Tenho cidadania italiana e nunca escondi, se tivesse alguma intenção de fugir eu teria escondido esse aporte. [...] Como cidadã italiana, sou intocável na Itália, não há o que ele possa fazer para me extraditar de um país onde eu sou cidadã, então estou muito tranquila quanto a isso”, disse.
Moraes decretou prisão de Zambelli e mandou suspender aporte e salário dela
Zambelli foi condenada pela Primeira Turma do STF a 10 anos de prisão, em regime inicial fechado, e à perda do mandato pela invasão hacker aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ela também responde a um processo criminal no Supremo por perseguir um homem com uma pistola na véspera da votação do segundo turno das eleições de 2022.
Após Carla Zambelli anunciar que havia deixado o Brasil, Alexandre de Moraes decretou na quarta-feira a prisão preventiva da deputada, atendendo a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). De acordo com Moraes, a parlamentar tentou “se furtar da aplicação da lei penal” ao deixar o Brasil 20 dias após ter sido condenada pelo STF.
“Após a sua condenação, com a fuga do distrito da culpa, a ré declarou que pretende insistir nas condutas criminosas, para tentar descredibilizar as instituições brasileiras e atacar o próprio estado democrático de direito, o que justifica, plenamente, a decretação de sua prisão preventiva”, escreveu Moraes em sua decisão.
Moraes ainda mandou bloquear os aportes de Zambelli, inclusive o documento diplomático que a deputada possui em razão do cargo, e incluir o nome dela na lista de difusão vermelha da Interpol – da qual fazem parte 196 países – para viabilizar uma extradição.
O ministro do STF também mandou a Câmara suspender o pagamento de “vencimentos e quaisquer outras verbas” destinados ao gabinete de Zambelli. A decisão prevê ainda o bloqueio de transferências, inclusive por meio de Pix, de veículos e de canais e perfis nas redes sociais.
Zambelli arrecadou ao menos R$ 285 mil em ‘vaquinha’ dizendo que era para pagar multas
Carla Zambelli recebeu ao menos R$ 285 mil de apoiadores, via Pix, antes de deixar o Brasil. A parlamentar dizia que a “vaquinha” virtual, organizada por ela mesma, visava pagar multas decorrentes de decisões do STF. Além dos 10 anos de prisão, o STF impôs à deputada uma indenização de R$ 2 milhões por danos morais e coletivos.
Zambelli deu início à campanha de arrecadação em 19 de maio. No mesmo dia, ela publicou um extrato bancário com saldo de R$ 166 mil e disse que sua conta estava com R$ 14 mil negativos antes do início da arrecadação. Já em 21 de maio, a deputada anunciou que estava com R$ 285 mil em sua conta.
“Conseguimos arrecadar R$ 285 mil nesta campanha tão necessária para o pagamento das multas injustas e completamente desproporcionais, impostas por uma perseguição implacável mas que também não me fará recuar”, afirmou Zambelli em rede social.
Mesmo após deixar o Brasil, Zambelli continua pedindo Pix nas redes sociais. Ela ainda colocou os dados bancários na descrição de seus perfis. Também reou a istração de suas redes sociais para sua mãe, Rita Zambelli.
“Tomei a decisão de transferir oficialmente a titularidade das minhas redes sociais, como herança, para minha mãe, Rita Zambelli, uma mulher íntegra, de princípios sólidos, que carrega os mesmos valores que sempre defendi”, disse a deputada.
Zambelli ainda prosseguiu afirmando que sua mãe é também sua “pré-candidata a deputada federal no próximo ano, justamente para dar continuidade a essa luta que é de toda a nossa família e de milhões de brasileiros que se recusam a se curvar diante do autoritarismo”.
Zambelli não teve aporte confiscado nem perdeu redes sociais
Apesar de falar em perseguição e perda de direitos no Brasil, mesmo condenada à prisão, Zambelli não teve o aporte apreendido nem ficou impedida de deixar o Brasil. Por isso, viajou no fim de semana legalmente.
Ao condenarem Zambelli à prisão, os ministros da Primeira Turma do STF declararam a perda automática do mandato da deputada. No entanto, Zambelli não perdeu o cargo automaticamente.
A perda da função de deputada só pode ser concretizada pela Câmara dos Deputados, conforme prevê a Constituição. O que já está valendo é a inelegibilidade da parlamentar por oito anos.
Zambelli também ainda pode apresentar embargos de declaração após a publicação do acórdão à decisão da Primeira Turma do STF. O recurso não tem poder de alterar a condenação, mas adia o trânsito em julgado do processo. Eventual prisão da parlamentar também precisa ser autorizada pela Câmara.
Contudo, a jurisprudência do STF é a de que se a pena for superior a 120 dias de prisão em regime fechado (o que é o caso), o próprio tribunal pode determinar a medida porque a Constituição prevê que o deputado perderá o mandato se faltar a um terço das sessões. Neste caso, cabe à Mesa Diretora da Câmara apenas declarar a perda de mandato.
O STF sentenciou Zambelli a cumprir pena em regime fechado pela invasão aos sistemas do CNJ. A decisão também atinge o hacker Walter Delgatti Neto, condenado a 8 anos e 3 meses de prisão.
Ele confessou ter inserido documentos falsos no sistema. Entre eles um mandado de prisão contra Alexandre de Moraes – o documento tinha do próprio ministro. Disse ter sido contratado por Zambelli, que confirmou a relação com o hacker, mas negou cometimento de crimes.
Perseguição com arma em São Paulo e cassação
Recentemente, Zambelli reclamou do abandono de Jair Bolsonaro. O episódio que levou ao “abandono” de Bolsonaro e aliados, segundo a própria deputada, ocorreu em 29 de outubro de 2022, um dia antes da votação do segundo turno das eleições presidenciais. Após discutir com eleitores em uma rua no bairro dos Jardins, em São Paulo, Zambelli, que já estava reeleita, perseguiu um deles, apontando uma arma de fogo.
Zambelli alegou ter sido agredida fisicamente, acusando seus opositores de usarem “um homem negro para vir em cima de mim”. No entanto, a alegação foi desmentida com a divulgação de vídeos que mostram o momento em que ela discute com os eleitores, tropeça sozinha e, armada, persegue um dos homens, acompanhada de seguranças pessoais dela.
Em áudio, ouve-se o homem desarmado implorando pela vida. A legislação eleitoral proíbe o transporte de armas e munições, configurando porte ilegal de arma, na véspera de uma votação. O caso foi parar no STF, que em março de 2025 formou maioria de votos para condenar a deputada a cinco anos e três meses de prisão pelos crimes de porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal.
A maioria da Corte também se posicionou a favor da cassação do mandato dela. O julgamento foi suspenso por 90 dias devido a um pedido de vista do ministro Nunes Marques. Em meio a isso, Bolsonaro externou o que já falava reservadamente. Em entrevista, ele disse que Zambelli “tirou o mandato” de sua chapa nas eleições de 2022 após este episódio. Por isso, se afastou dela. Assim como os mais fiéis aliados de Bolsonaro.
Um dia após ser apontada pelo ex-presidente como responsável pela derrota dele, Zambelli fez um desabafo nas redes sociais. Sem mencionar nominalmente Bolsonaro, ela afirmou ser “difícil aguentar o julgamento” de quem sempre defendeu. “Enfrentar o julgamento dos inimigos é até ável. Difícil é aguentar o julgamento das pessoas que sempre defendi e continuarei defendendo”, escreveu a parlamentar.
Em uma entrevista para o jornal Folha de S. Paulo, ela afirmou que se sentia abandonada por Bolsonaro. “Desde 2013 eu apoio o Bolsonaro. Antes como ativista, nas causas dele, ajudei na eleição de 2018. Durante todo o governo. Acho que eu fui uma das pessoas mais na linha de frente dentro do Congresso para poder defender o governo, o presidente”, disse ao jornal paulista.
Em 14 de maio, Zambelli sofreu a maior derrota, com a condenação a 10 anos de prisão por invasão do sistema do CNJ e falsificação de identidade. O PL emitiu uma nota em apoio à deputada, mas os políticos mais proeminentes da sigla permaneceram em silêncio, repetindo o que ocorreu com ex-aliados, como Gustavo Bebianno, Sara Giromini, Daniel Silveira, Roberto Jefferson, Alexandre Frota, Joice Hasselmann e Abraham Weintraub.
Inelegibilidade e condenações por ataques ao TSE e Lula
Carla Zambelli conseguiu ser reeleita em 2022, com 946.244 votos. Mas ela acumula pelo menos quatro condenações por fake news contra adversários políticos e o sistema eleitoral brasileiro. Principalmente naquele período eleitoral, o que pode lhe custar seu mandato.
Em dezembro de 2024, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) acatou uma ação movida pela deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP) contra Zambelli por fake news contra o processo eleitoral. Em janeiro de 2025, o TRE-SP cassou os direitos políticos de Zambelli por 8 anos.
Antes disso, em setembro de 2023, Zambelli, Mara Gabrilli e Flávio Bolsonaro foram condenados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a pagar R$ 10 mil a Lula por espalhar mentira que o petista pagou para não ser relacionado ao assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel (PT).
No dia 25 do mesmo mês, Zambelli foi multada em R$ 30 mil por divulgar a notícia falsa sobre a manipulação de urnas eletrônicas, publicada nas redes sociais durante a campanha eleitoral de 2022. Já em 20 de fevereiro de 2024, o TSE multou Zambelli em R$ 30 mil por propagação de desinformação contra o então candidato Lula em 2022.
Agora, enquanto diz buscar forças para enfrentar as decisões judiciais, além dos recursos que serão apresentados à Justiça, Zambelli afirma ter outro trunfo: a Câmara. Diz que o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), deu “sinal verde” ao líder do PL, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), para apresentar pedido de suspensão da ação penal contra ela no caso da invasão ao sistema do CNJ.