BRASÍLIA – A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) vai ser julgada ainda neste mês pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pelos crimes de porte de arma de fogo sem autorização e constrangimento ilegal. A análise do caso será feita de forma virtual. Os ministros terão de 21 a 28 de março para inserir o voto no sistema eletrônico da Corte.
Na modalidade virtual não há discussão, mas um dos ministros pode pedir vista – mais tempo para análise. Dessa forma, além de ser suspenso, o julgamento seria levado ao plenário físico. A defesa Zambelli tentou tirar o processo do STF, alegando que o caso não tem relação com o exercício do mandato e, por isso, deveria ser analisado na primeira instância.
A parlamentar virou ré no STF em agosto de 2023, quando nove dos 11 ministros votaram a favor do recebimento da denúncia apresentada pela PGR contra a parlamentar. O ministro Nunes Marques se posicionou pela rejeição da denúncia, e André Mendonça alegou que não caberia ao STF analisar o caso.
Em nota, a deputada informou que confia no Poder Judiciário e na “condução imparcial do processo”. “Confio plenamente na Justiça e acredito que, ao serem esclarecidos todos os fatos — especialmente a ocorrência de um disparo anterior ao momento em que fiz uso de minha arma, devidamente autorizada por porte federal —, ficará evidente minha inocência.”
Deputada e amigo PM correram atrás de homem desarmado
Zambelli será julgada pelo episódio ocorrido em 29 de outubro de 2022, quando ela correu atrás de Luan Araújo, apontando uma arma para ele, em uma rua de um bairro de São Paulo. Os dois entraram em um bar, com o homem pedindo socorro. Tudo foi filmado por pessoas que estavam no local.
Zambelli estava acompanhada do policial militar Valdeci Silva de Lima Dias, amigo da parlamentar. Também com arma em punho, ele correu atrás do homem negro. O PM realmente caiu em dado momento do episódio. Ele tropeçou. Ele saiu da arma do policial, de forma acidental, por causa da queda.
Era véspera do segundo turno das eleições presidenciais. O homem, eleitor de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), provocou Zambelli, que revidou com palavras e o saque da arma de fogo. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a creditar a Zambelli culpa por sua derrota nas urnas, por causa da repercussão negativa das cenas.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu o transporte de armas e munições em todo o território nacional por parte de colecionadores, atiradores e caçadores (CACs) no dia da votação, nas 24 horas que antecediam o pleito e nas 24 horas após os brasileiros irem às urnas. O descumprimento da norma poderia resultar em prisão em flagrante por porte ilegal de arma, além de crime eleitoral.
Em entrevista depois da confusão, Zambelli disse ter ignorado a resolução. “Conscientemente, estava ignorando a resolução e continuarei ignorando a resolução do [ministro] Alexandre de Moraes, porque ele não é legislador. É simplesmente presidente do TSE e membro do STF. Ele não pode, em nenhum momento, fazer lei. Isso é ativismo judicial.” Moraes era o presidente do TSE.
Na denúncia ao Supremo, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, não entrou no mérito da decisão do TSE. Ela afirmou que, na condição de CAC, Zambelli não tinha autorização para usar a arma ostensivamente em público. Se for condenada, Zambelli pode pegar até cinco anos de prisão, além de multa de R$ 100 mil.
“A permissão do porte de arma de fogo conferida à denunciada se destina única e exclusivamente à sua defesa pessoal; jamais para constranger a liberdade de interlocutor e a fazer com ele se desculpe dos seus posicionamentos políticos, preferências eleitorais e supostos atos injuriosos manifestados, ainda que a pretexto de resguardar, em tese, sua honra maculada”, afirmou Araújo.
Parlamentar foi cassada recentemente pelo TRE-SP
Esse não é o único problema de Zambelli com a Justiça. Em janeiro, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) cassou o diploma de deputada por uso indevido dos meios de comunicação e a prática de abuso de poder político. Com a decisão, Zambelli ainda poderá ficar inelegível por oito anos a partir das eleições de 2022.
O TRE-SP tomou a decisão com base em ação apresentada pela também deputada federal Sâmia Bomfim (PSol-SP). Ela alegou que Zambelli divulgou informações falsas sobre o processo eleitoral de 2022.
Seguido pela maioria do TRE-SP, o relator do caso, desembargador José Antonio Encinas Manfré, afirmou em seu voto que as ações da deputada influenciaram a livre vontade do eleitor e que ela praticou abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
A determinação do TRE-SP não teve efeito imediato. O mandato de Zambelli será mantido enquanto ela ainda puder recorrer. A deputada indicou que apresentará recurso contra a punição. Caberá ao TSE decidir quando Zambelli recorrer da determinação. Em nota publicada após a decisão, ela alegou sofrer perseguição política.
PGR pede condenação de Zambelli e Walter Delgatti por invasão a sistema do CNJ
No fim de janeiro, a PGR pediu a condenação de Carla Zambelli e Walter Delgatti, o “hacker da Vaza Jato”, pelos crimes de invasão a dispositivo informático e falsidade ideológica. Ambos são réus no STF sob a suspeita de invasão de sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A PGR aponta que Zambelli e Delgatti teriam elaborado e divulgado um mandado de prisão falso contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF. O documento fraudulento foi inserido no Banco Nacional de Mandados de Prisão, do CNJ, como se tivesse sido assinado pelo próprio ministro.
O procurador geral da República, Paulo Gonet, enviou ao STF, em 31 de janeiro, uma manifestação na qual pede a condenação de Zambelli e Delgatti. Ele também pediu a aplicação de um trecho do Código Penal que prevê o aumento da pena de um a dois terços caso a invasão resulte em prejuízo econômico.
Delgatti confirmou em depoimento à Polícia Federal que participou do esquema a pedido de Zambelli. A deputada, por sua vez, nega envolvimento. A PGR argumenta que a participação da parlamentar é evidenciada pelo material apreendido em sua posse durante uma operação de busca e apreensão. Segundo o órgão, foram encontrados arquivos idênticos aos que estavam nos dispositivos de Delgatti.
Entre os documentos analisados, há uma ordem falsa de quebra de sigilo bancário de Moraes, criada no computador de Delgatti e ada por Zambelli 22 segundos depois. Outro arquivo, referente ao mandado de prisão falso contra o ministro do STF, teria sido ado pela deputada cerca de 1h30 depois da sua criação.
Ainda segundo a PGR, foi encontrado um terceiro documento falsificado, determinando o bloqueio de R$ 22.991.544,60 das contas de Moraes – o mesmo valor de uma multa aplicada pelo ministro ao PL em 2022, quando presidia o TSE. Neste caso, a deputada teria ado o material 18 horas depois de sua criação.
A primeira Turma do STF decidiu, por unanimidade, em maio de 2024, tornar réus Zambelli e Delgatti Neto pelos crimes de invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica. Na época, os cinco membros do colegiado aceitaram a denúncia oferecida pela PGR.