BRASÍLIA - Deputados federais começaram a se movimentar para criar normas nacionais frente à popularização de bebês reborn, bonecos hiper-realistas que ganharam repercussão nas últimas semanas. Na quinta-feira (15), três projetos de lei foram protocolados na Câmara.
As propostas miram desde a proibição dos bonecos em unidades públicas e privadas de saúde até a imposição de multa para quem usar um bebê reborn para conseguir benefícios ou atendimento preferencial. Outro texto trata do acolhimento psicossocial de quem tem vínculo afetivo com a representação de um recém-nascido.
Nas redes sociais, usuários aram a mostrar suas rotinas com bebês reborn, que costumam ter nomes e documentação. Os relatos simulam comportamentos de bebês reais, com episódios de choro e de alimentação por mamadeira, por exemplo, e até a procura médica por alguma intercorrência.
Atendimento em hospitais e filas preferenciais
O primeiro projeto foi protocolado pelo deputado Zacharias Calil (União Brasil-GO), que é médico de carreira. Ele quer tipificar como infração istrativa o uso desse tipo de boneco ou de qualquer outro objeto ou artifício que simule a presença de criança de colo, para receber ou usufruir dos benefícios.
As restrições incluem atendimento preferencial em qualquer serviço de saúde, prioridade em filas e uso de assentos preferenciais em transporte público, seja urbano ou interestadual. Outra vedação proposta abrange descontos, gratuidades ou outros incentivos financeiros destinados a responsáveis por bebês.
Calil quer impor a pena de multa para a infração, com valor que pode variar de cinco a 20 salários mínimos - com possibilidade do dobro do valor em caso de reincidência - a depender da gravidade da conduta, da vantagem pretendida e da condição econômica do infrator. Os recursos arrecadados com multas devem ser alocados em fundos voltadas à primeira infância.
Calil citou vídeos recentes que mostraram a onda de bebês reborn. Em um deles, uma jovem buscou atendimento em um hospital público em Minas Gerais. Em outro, uma mulher usou a fila preferencial de um supermercado. “Esses exemplos ilustram a necessidade de um dispositivo legal específico, de aplicação imediata, que desestimule tais fraudes e preserve o direito das crianças reais”, alegou.
Outro projeto, assinado pelo deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), segue linha semelhante ao proibir expressamente, em todo o país, o atendimento a bonecos hiper-realistas em unidades de saúde públicas e privadas, inclusive nas conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Dessa forma, veda profissionais de simularem atendimento, até mesmo de acolhimento. A punição proposta varia entre advertência, suspensão por 30 dias ou demissão. Já para as instituições, Bilynskyj defende multa de até R$ 50 mil ou suspensão do credenciamento junto ao SUS, depois de advertência.
Há duas exceções sugeridas pelo deputado. Uma delas abrange o uso de bebês reborn “no contexto de acompanhamento psicológico ou psiquiátrico de pacientes diagnosticados, quando houver expressa recomendação médica e laudo circunstanciado que comprove a finalidade terapêutica”.
A segunda, o uso dos bonecos em atividades acadêmicas, científicas, de ensino ou simulação, desde que haja autorização da direção da instituição de saúde. “Logo, os serviços de saúde devem ser utilizados para beneficiar pessoas, não podendo haver destinação de recursos humanos ou materiais a simulações desconectadas da finalidade assistencial”, justificou.
Atendimento psicossocial
O outro projeto de lei foi apresentado pela deputada Rosângela Moro (União Brasil-SP). Ela propôs diretrizes para a criação de ações de atenção psicossocial no SUS voltadas ao acolhimento de pessoas que apresentem sofrimento mental pelo vínculo afetivo intenso com objetos de representação humana.
O texto prevê atendimento com base na dignidade humana, com acolhimento humanizado e escuta qualificada, para que seja adotado acompanhamento clínico e terapêutico adequado. Ainda deve haver orientação e apoio aos familiares e cuidadores sobre os sinais de alerta relacionados ao uso compulsivo, à fuga da realidade e à dependência afetiva em relação aos bebês reborn.
A deputada afirmou que muitas vezes o uso de bonecos hiper-realistas pode estar associado a situações de luto, carências emocionais severas ou isolamento social, e que em determinados casos o comportamento pode configurar indício de sofrimento psíquico, com risco de depressão, dissociação e até ideação suicida.
“A proposta não pretende, sob nenhuma hipótese, criminalizar, ridicularizar ou patologizar o uso desses objetos, tampouco restringir liberdades individuais ou manifestações legítimas de afeto”, argumentou.
“Pelo contrário: parte-se do princípio da autonomia do sujeito e da liberdade de conduta, orientando-se pela necessidade de criar mecanismos institucionais de acolhimento ético e não estigmatizante, capazes de identificar precocemente sinais de sofrimento emocional que, quando negligenciados, podem evoluir para situações de risco real”, concluiu Rosângela.
Os projetos ainda não foram despachados na Câmara. Quando isso acontecer, devem ar por debates em comissões e plenários da Câmara e do Senado. Se foram aprovados, seguem para sanção presidencial e, somente após essa etapa, viram leis.