BRASÍLIA — Jair Bolsonaro (PL) participou à distância da sessão do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados que votou pela cassação do mandato de Glauber Braga (PSOL-RJ). O ex-presidente ligou para o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) por chamada de vídeo.
Após o telefonema, o político mineiro, recém-chegado à sessão, começou a orientar os colegas da oposição a pedir "justiça" pelo ex-deputado Daniel Silveira, condenado a oito anos de prisão e cassado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ameaças ao Estado democrático de direito e incitação à violência contra os ministros.
A parte final da sessão do Conselho de Ética foi acompanhada por deputados da oposição: além de Nikolas Ferreira, estiveram ali Zucco (PL-RS), Zé Trovão (PL-SC), Éder Mauro (PL-PA), Rodolfo Nogueira (PL-MS), Delegado Caveira (PL-PA)Domingos Sávio (PL-MG) e Marco Feliciano (PL-SP).
Articulações nos bastidores, atraso inédito e ligações não atendidas
A Câmara dos Deputados encerrou a sessão do Conselho de Ética com a aprovação do pedido de cassação do mandato de Glauber Braga (PSOL-RJ). A reunião começou na tarde de quarta-feira (9) e se arrastou até a noite. O deputado agora pode recorrer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O o seguinte à aprovação da cassação no Conselho de Ética é a análise do processo no plenário da Câmara. O último parlamentar cassado pelo Congresso Nacional foi Flordelis, condenada pelo assassinato do marido.
Glauber Braga é alvo de um processo de cassação pelo episódio em que reagiu aos ataques de um militante do Movimento Brasil Livre (MBL) e o expulsou da Câmara dos Deputados a chutes e pontapés. O episódio aconteceu em 16 de abril de 2024, e a representação contra Glauber chegou ao Conselho de Ética pelas mãos da bancada do Partido Novo. O relator do processo, deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), apresentou no início deste mês um parecer favorável à cassação do mandato de Glauber.
A posição do relator gerou estranhamento na bancada do PSOL. Interlocutores tinham dito a membros do partido que Magalhães sugeriria uma punição mais branda a Glauber Braga — prevendo uma suspensão por três meses. É dito nos bastidores que o relator optou por mudar a punição e sugerir a cassação pouco antes da data marcada para apresentação do parecer.
A realização da sessão nesta quarta-feira foi outro revés sofrido pelo PSOL, que articulava até terça-feira (8) à noite o adiamento da reunião. A líder do partido, Talíria Petrone (PSOL-RJ), contava com o apoio manifesto dos líderes de PSD, Antônio Brito (BA), e PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), para não dar quórum e evitar que a sessão acontecesse. A articulação não deu certo, e a sessão começou no início da tarde, sendo marcada por apelos de deputados do PSOL e aliados de PT e PSB.
Eles pediam que Paulo Magalhães reconsiderasse o pedido pela cassação e abrisse o diálogo com as bancadas. Outros lembraram o episódio em que ele próprio agrediu um escritor na Câmara dos Deputados há 24 anos. "Mudar de ideia não é demérito. O senhor não sairá menor. O senhor sairá maior. Reconsidere em uma negociação por mais uma semana, pelo menos, e se coloque no lugar de uma pessoa que é alvo de uma dor profunda e de uma perseguição permanente como é o Glauber. Quem no lugar do ser humano Glauber não se sentiria injustiçado?", questionou o deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ).
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) também contestou a proporcionalidade da punição sugerida por Paulo Magalhães. "Gostaria de sustentar que o parecer precisaria ser revisado à luz do princípio da proporcionalidade sob pena de cometermos uma injustiça. Queria que o senhor reconsiderasse", declarou. Ainda criticando a dureza da pena pedida pelo relator, os aliados de Glauber lembraram que os últimos parlamentares cassados foram Flordelis, condenada pelo homicídio do marido, e Eduardo Cunha, sentenciado à prisão por corrupção iva e lavagem de dinheiro.
O apelo central da bancada do PSOL e de aliados dirigido ao relator era que ele concedesse mais tempo para discussão do parecer ao invés de colocá-lo para votação. "Tenho conversado com os líderes e tenho sentido a possibilidade real de sairmos daqui com uma solução que não manche a história desse Conselho e dessa Casa para garantir, com diálogo, que a democracia prevaleça. Peço mais tempo", pediu a líder do PSOL, Talíria Petrone.
O presidente do Conselho de Ética, deputado Leur Lomanto Júnior (União Brasil-BA), e o relator Paulo Magalhães não atenderam às solicitações. A bancada do PSOL esperava que a sessão se encerrasse sem a análise do relatório em função do início da ordem do dia.
A estratégia da bancada do PSOL e de aliados era justamente arrastar a sessão até que a ordem do dia começasse. Os deputados recorriam ao regimento interno e se inscreviam para falar durante a sessão — os membros têm direito a 10 minutos de fala, e os não-membros a cinco minutos.
Entretanto, duas jogadas se costuravam nos bastidores: o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) não abria a ordem do dia, enquanto o deputado Delegado Fabio Costa (PP-AL) pedia o encerramento da discussão e a imediata votação do parecer do relator. A líder do PSOL, Talíria Petrone, àquela altura, tentava contato com Motta pela sexta hora seguida, sem sucesso.
O requerimento de Fábio Costa, aliado do ex-presidente Arthur Lira (PP-AL), foi aprovado, o parecer votado e o Conselho de Ética encerrou a sessão decidindo pela cassação do mandato de Glauber.
Cassação de deputado acusado de matar Marielle trava e se torna o processo mais longo na história da Câmara
Enquanto avança o processo contra Glauber Braga, a cassação do mandato de Chiquinho Brazão (Sem Partido) segue travada na Câmara dos Deputados. O processo contra Brazão, que é réu pelos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes, completa um ano nesta quinta-feira (10) e ainda não foi levado à votação no plenário.
Brazão é alvo de ação criminal no Supremo Tribunal Federal (STF) e foi expulso do União Brasil, partido pelo qual se elegeu deputado no Rio de Janeiro, após ser preso pela Polícia Federal (PF).
Brazão aguarda sentença encarcerado, e a prisão completou um ano no último dia 24 de março — pouco depois do sétimo aniversário de morte da vereadora carioca e de seu motorista, assassinados em uma emboscada no centro do Rio de Janeiro.
O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados recebeu em 10 de abril de 2024 uma representação para cassar o mandato de Chiquinho Brazão por quebra de decoro, pela participação dele no crime. O processo foi instaurado em maio, e foram necessários três meses para o colegiado concluir a análise e votar pela cassação do mandato.
Brazão recorreu na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas o pedido para anular o processo foi rejeitado. Os únicos deputados que votaram a favor de Chiquinho Brazão no colegiado foram Dani Cunha (União Brasil-RJ), filha de Eduardo Cunha e aliada da família Brazão no Rio de Janeiro, e Waldemar Oliveira (Avante-PE).
Desde setembro, quando o recurso foi rejeitado, o processo está pronto para ir à votação no plenário da Câmara dos Deputados. São necessários os votos de pelo menos 257 deputados para cassação do mandato. Essa votação é aberta e nominal.
Nos últimos quatro meses de sua gestão na presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) escolheu não pautar o processo para votação no plenário. Nestes dois meses de início de mandato, o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) também ainda não pautou.
Preso há mais de um ano, Chiquinho Brazão mantém, além do mandato, os benefícios atrelados ao cargo. Ainda que ele não compareça às sessões desde a prisão em março de 2024, Brazão mantém o salário mensal pago pela Câmara dos Deputados, além de outras benesses como o apartamento funcional em uma área nobre de Brasília — pago pela Câmara.