BRASÍLIA - O primeiro ato do movimento “Criança não é mãe” na Câmara dos Deputados, realizado na tarde desta quarta-feira (19), foi marcado por um confronto entre parlamentares conservadores e um grupo de ativistas, majoritariamente composto por mulheres. Elas pedem o arquivamento do Projeto de Lei (PL) 1904/24, que equipara ao crime de homicídio a realização de aborto após 22 semanas de gestação. A pena prevista varia de 6 a 20 anos de prisão.

Veja o vídeo: 

O primeiro ato do movimento “Criança não é mãe” na Câmara dos Deputados, que ocorreu nesta quarta (19), foi marcado por uma confusão entre parlamentares conservadores e um grupo de ativistas, composto majoritariamente por mulheres. Elas pedem o arquivamento do Projeto de Lei (PL)… pic.twitter.com/KgH15WYPFB

— O Tempo (@otempo) June 19, 2024

O ato, iniciado pouco antes das 14h, entoava slogans como “criança não é mãe”, “arquiva PL 1904” e “fora Lira”, em referência ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). 

O grupo protestava pacificamente quando os deputados Sargento Fahur (PSD) e Delegado Caveira (PL) chegaram ofendendo as manifestantes.

Eles gritavam “abortistas”, “sovaco cabeludo”, “assassina de crianças”, “demônio” e “pauta Lira” para as ativistas. O deputado Delegado Caveira (PL) chegou a ofender uma ativista, chamando-a de “Exu, demônio”. Já Fahur fez um gesto obsceno com o dedo. 

Uma manifestante do movimento tentou dar um chute nos parlamentares, mas foi contida pela Polícia Legislativa. Em resposta aos parlamentares, as ativistas gritaram “bancada do estupro”.

Mesmo com a presença da Polícia Legislativa, os ânimos continuaram exaltados. A situação só voltou a se estabilizar após a saída dos deputados do local.

Uma das principais críticas ao texto é que ele propõe uma pena mais severa para as mulheres que realizarem abortos decorrentes de estupro do que para os agressores. O projeto prevê uma pena de 6 a 20 anos para as mulheres, enquanto a pena para os estupradores varia de 6 a 10 anos para vítimas adultas, e de 8 a 12 anos para vítimas menores de idade.

Atualmente, o aborto é permitido no Brasil em três situações: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto. Enquanto os dois primeiros cenários estão previstos no Código Penal de 1940, o último foi permitido pelo Supremo Tribunal Federal em 2012. Não há, no entanto, um limite de semanas para a realização do procedimento.

A proposta teve sua urgência aprovada de forma relâmpago pela Câmara dos Deputados na última quarta-feira (12), tornando possível a votação do texto principal em plenário. Na terça-feira (19), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou que a discussão sobre o projeto será adiada para o segundo semestre.

“O colégio de líderes deliberou debater esse tema de maneira ampla no segundo semestre, com a formação de uma comissão representativa para discutir o assunto. Desta forma, o açodamento ou as perguntas não terão como fluir, porque só iremos tratar disso após o recesso, com a formação dessa comissão”, disse Lira.

Setores como a bancada evangélica pretendiam que a votação ocorresse nas próximas semanas, mas a repercussão negativa do projeto, tanto nas ruas quanto nas redes sociais, inviabilizou essa intenção. O texto é de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros 31 parlamentares.

STF x CFM 406s36

O avanço do projeto também foi uma resposta a uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele emitiu uma liminar anulando uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que dificulta o aborto decorrente de estupro. Também fica proibida a abertura de novos procedimentos baseados na mesma norma.

A resolução do CFM proíbe a utilização de uma técnica clínica, chamada assistolia fetal, para a interrupção da gravidez com mais de 22 semanas oriunda de estupro. O órgão chegou a suspender o exercício profissional de médicas que realizaram o aborto nesses casos, fato que gerou manifestações na sede do Conselho Regional de Medicina, em São Paulo. O tema será julgado no plenário do Supremo.