Depois de uma primeira temporada aclamada, o segundo ano adapta a primeira metade do jogo The Last of Us: Part II, do PlayStation. Mantendo um nível de qualidade altíssimo, o roteiro desta vez pede um pouco mais de paciência, especialmente de quem conhece cada detalhe da história original.


Sinopse

Cinco anos se aram desde os eventos da primeira temporada. Joel (Pedro Pascal) e Ellie (Bella Ramsey) vivem agora em relativa paz na comunidade de Jackson. Encaixados nas rotineiras atividades para a proteção e evolução da cidade, algo parece não estar certo entre eles.


Porém, antes de entendermos o porquê, um acontecimento brutal muda tudo.


Esse evento, que marca tanto os personagens quanto os espectadores, estabelece o tom da temporada, que gira em torno da vingança, do trauma e da difícil pergunta: até onde vale a pena ir por justiça?


É um arco emocional pesado, que aprofunda a desconstrução dos protagonistas, e nos faz questionar, junto com eles, até que ponto é possível manter a própria humanidade diante de tanta dor.


Pelo menos é esse o sentimento que o jogo de videogame consegue atingir. Se a série conseguiu ou não atingir o mesmo ponto, será discutido nas próximas sessões.


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Alto padrão técnico e emocional

No geral, a série continua sendo uma das melhores adaptações de videogame já feitas. Os destaques seguem os mesmos:

  • Atuações impactantes, principalmente nas cenas mais dramáticas;
  • Cenários realistas e imersivos, com uma direção de arte cuidadosa;
  • Som, maquiagem, figurino e efeitos visuais em nível cinematográfico;
  • E um roteiro que consegue adaptar em boa parte a essência do jogo, mesmo com mudanças pontuais.

Essas mudanças, aliás, fazem sentido dentro do formato televisivo — na grande maioria das vezes.


Mas... e o tal ajuste de expectativa?

Aqui entra uma opinião mais pessoal: como fã do jogo, é impossível ignorar a comparação direta. E dois pontos me chamaram mais atenção negativamente:


1. Estrutura narrativa e quantidade de episódios

Desde o início, já era esperado que The Last of Us: Part II não coubesse em uma única temporada. O jogo em que a série se baseia tem uma construção narrativa complexa, com uma divisão clara entre dois pontos de vista, o que exige tempo e cuidado para funcionar bem na adaptação.


As primeiras apostas eram de que a série tomaria um caminho diferente, reestruturando essa dualidade. Especialmente porque guardar a segunda perspectiva para uma temporada futura era uma escolha arriscada, dado que ela gira em torno de Abby (Kaitlyn Dever), uma personagem completamente nova e, até o momento, a vilã da história.


Mas foi justamente essa ousadia que os criadores decidiram abraçar. Uma decisão corajosa, que merece reconhecimento, mas que inevitavelmente cobra seu preço.


Com apenas sete episódios, a segunda temporada se organiza de forma bem clara: três episódios para apresentar os novos caminhos da história, três centrados no coração da jornada, e um dedicado ao ado — no mesmo espírito do marcante episódio 3 da temporada anterior.


O problema é que, com poucos capítulos para tanta história, a temporada acelera onde não deveria. Sempre que a série tenta expandir temas ou inserir algo novo, isso acaba sacrificando cenas que, no jogo, tiveram tempo e profundidade para impactar. Em alguns momentos, a força emocional da trama se dilui, simplesmente por falta de espaço para maturar.


Além disso, optando por não abordar a trama de Abby a partir do terceiro episódio, a série priva o espectador de acompanhar o desenvolvimento da figura que assume o papel de antagonista nesta fase da história. O resultado é uma sensação de desequilíbrio narrativo, com os protagonistas parecendo enfrentar seus conflitos em um vácuo, sem uma contraposição clara durante boa parte da temporada.

Abby (Kaitlyn Dever) provavelmente protagonizará a terceira temporada. Créditos: Liane Hentscher / HBO.

 


2. A escrita da personagem Ellie

Ao contrário do barulho superficial das redes sociais, o problema não está em Bella Ramsey, tampouco em sua aparência. A atriz continua firme no papel de Ellie e entrega momentos marcantes sempre que o roteiro lhe dá espaço. 


O incômodo, no entanto, está no próprio texto: a personagem, que deveria assumir o protagonismo nesta fase da história, é muitas vezes esvaziada em sua complexidade, transformada quase em um alívio cômico.


Mesmo com a boa introdução de Dina (Isabela Merced), que traz equilíbrio e contraponto emocional à jornada, há um desequilíbrio de foco narrativo. Dina não apenas ganha destaque, como assume várias das qualidades que deveriam estar centradas em Ellie.


É Dina quem demonstra domínio sobre estratégias de sobrevivência e mantém os objetivos da missão em mente. Com isso, Ellie se torna uma figura dispersa, com reações contraditórias e pouca preparação para o caminho que escolheu seguir.


No jogo, sua personagem transborda tensão, raiva e obstinação — um retrato duro de alguém consumido por traumas e vingança. Já na adaptação, essa intensidade é diluída por cenas mais leves, que destoam do momento vivido por ela e enfraquecem a construção emocional de sua personagem na temporada.

 

Dina (Isabela Merced) toma o papel de liderança de Ellie (Bella Ramsey) em boa parte da temporada. Créditos: Liane Hentscher / HBO.

 


Mas vale a pena assistir?

Sim. Ainda que com ressalvas, The Last of Us continua sendo uma série muito acima da média. É uma adaptação corajosa, que não teme mudar o que precisa e que entrega personagens complexos, visuais marcantes e dilemas reais.


A segunda temporada amplia o universo pós-apocalíptico ao apresentar novos rostos, como Jesse (Young Mazino) e Isaac (Jeffrey Wright), além de expandir as dinâmicas de poder com grupos como os Lobos (WLF) e os Serafitas (conhecidos como Cicatrizes). Com isso, a trama ganha novos ângulos sobre liderança, fé, radicalismo e sobrevivência, aprofundando ainda mais a atmosfera da série.


Mesmo com oscilações no ritmo e decisões questionáveis de adaptação, o coração da história segue pulsando forte. A série entrega momentos memoráveis, incluindo cenas que ainda chocam e emocionam, como os desfechos dos episódios 2 e 6.


Com as expectativas ajustadas, The Last of Us continua sendo uma experiência imperdível. As duas temporadas completas já estão disponíveis na Max (HBO Max).


Próximas temporadas


Renovada para uma terceira temporada antes mesmo da estreia da segunda, The Last of Us segue como uma das grandes apostas da HBO. Apesar da queda gradual na audiência simultânea ao longo dos episódios, o estúdio mantém sua confiança na força da franquia.


Há indícios de que não apenas uma terceira, mas também uma quarta temporada será necessária para adaptar completamente o segundo jogo, cujo conteúdo é extenso e complexo. Para quem conhece o material original, e está ciente de como resolveram trazer a segunda temporada, essa divisão faz total sentido.


Como dito anteriormente, a próxima temporada continuará explorando os mesmos eventos da segunda, mas agora sob a perspectiva de Abby — o que implica um distanciamento natural da maioria dos personagens vistos até aqui.


Esse recomeço narrativo pode causar estranhamento, mas está longe de ser um motivo para abandonar a série. Se Craig Mazin e Neil Druckmann souberem ouvir as críticas e corrigirem os desequilíbrios desta segunda temporada, há espaço de sobra para que The Last of Us retome o nível de excelência que marcou sua estreia.


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