Belo Horizonte, capital do bitcoin?
A digitalização da economia merece ser tratada com seriedade

Wallace Fabrício Paiva Souza é doutor em direito com pesquisa em criptoativos e professor da Newton Paiva Wyden
A tecnologia e a economia digital têm transformado rapidamente o mundo, e o avanço dos criptoativos, com destaque para o bitcoin, é uma das faces mais visíveis dessa revolução. Desde que surgiu, em 2008, o bitcoin se consolidou como uma criptomoeda, funcionando sem intermediários estatais ou bancários. Trata-se de uma inovação tecnológica robusta e disruptiva, com potencial real de alterar o sistema financeiro como se conhece. Contudo, quando o tema sai do âmbito da inovação e entra na arena simbólica e política, é preciso redobrar a cautela.
Recentemente, a Câmara Municipal de Belo Horizonte aprovou, em primeiro turno, o Projeto de Lei 124/2025, que propõe tornar a capital mineira a “Capital do Bitcoin”. A proposta, segundo seu autor, tem como objetivo consolidar a cidade como um polo tecnológico e de debate sobre criptoativos, fomentando a educação financeira e atraindo investimentos.
A intenção parece nobre: incentivar o conhecimento, a inovação e o desenvolvimento econômico em um setor em crescimento. Mas será que declarar Belo Horizonte como “Capital do Bitcoin” é a estratégia mais adequada? O título, ainda que de valor simbólico, soa exagerado e desconectado da realidade concreta. O próprio projeto não apresenta qualquer dado ou argumento que justifique essa alcunha para a cidade. Não há menção a empresas de destaque no setor, centros de pesquisa especializados ou políticas públicas efetivas que sustentem o título proposto.
Incentivo e conhecimento
Na prática, o projeto não cria incentivos fiscais, não estabelece parcerias com universidades nem articula um plano de desenvolvimento estruturado voltado à tecnologia blockchain ou às finanças descentralizadas. Ele apenas autoriza o município a se autoproclamar “capital” de algo que sequer possui raízes fortes em seu território. Não se trata de negar a importância do tema, mas de reconhecer que títulos, por si sós, não constroem realidade.
Seria mais prudente e produtivo que o poder público incentivasse eventos, semanas temáticas, programas educacionais e apoio a startups do setor. Criar, por exemplo, um “Dia Municipal da Inovação em Criptoativos”, com fóruns e capacitações, já contribuiria muito mais para posicionar Belo Horizonte como um espaço relevante no debate sobre a economia digital do que uma nomeação simbólica sem lastro.
A economia do futuro precisa de conhecimento, estrutura e governança, não de slogans vazios. O que está em jogo aqui não é o valor do bitcoin, que já é inegável, mas o risco de banalizar um debate importante com projetos que mais parecem marketing político do que política pública. É preciso estudar, regulamentar e investir de forma concreta.
A digitalização da economia merece ser tratada com a seriedade que ela impõe. E Belo Horizonte, com seu histórico de inovação e universidades de excelência, pode ter papel protagonista – desde que vá além dos títulos e comece pelas ações.