MAIO LARANJA

Minas Gerais registra um caso de violência sexual por dia em escolas; PCMG faz conscientização

Dados indicam que as escolas são o terceiro local com maior número de notificações de crimes sexuais

Por Isabela Abalen e Lucas Gomes
Publicado em 26 de maio de 2025 | 05:15

Reunidas na quadra de uma escola estadual, dezenas de crianças entre seis e 11 anos aprendem o que é um predador: alguém que se aproxima sorrateiramente, parece inofensivo, mas está pronto para atacar. Em vez de uma aula de biologia, trata-se de uma palestra da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) sobre abuso sexual infantojuvenil. Saber distinguir as partes do corpo que podem ou não ser tocadas pode protegê-las de uma violência que também acontece nas salas de aula. Dados do de Violência da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) indicam que as escolas são o terceiro local com maior número de notificações de crimes sexuais, atrás apenas de residências e de vias públicas. De janeiro de 2024 até 12 de maio deste ano, foram 420 registros compulsórios do tipo — o que equivale à média de uma criança ou adolescente solicitando atendimento por dia. Em 2025, os números tiveram uma redução, foram 64 vítimas até 12 de maio, o que ainda mostra um cenário alarmante de um abuso a cada dois dias no Estado.  

A notificação de violência sexual é obrigatória em todo o país. Ou seja, os serviços de saúde devem comunicar os casos à vigilância em até 24 horas, mesmo sem o consentimento da família. Quando o abuso acontece dentro das escolas, os registros que chegam às unidades de saúde de Minas Gerais revelam um perfil ainda mais vulnerável: de janeiro de 2024 até 12 de maio deste ano, 136 vítimas tinham entre 1 e 4 anos de idade, o que representa quase 33% das ocorrências em instituições de ensino, segundo o da SES-MG. Neste Maio Laranja, mês dedicado à conscientização sobre a exploração sexual infantojuvenil, a Polícia Civil visita escolas e creches para alertar sobre os sinais de abuso, além de orientar sobre formas de prevenção e denúncia.

“É evidente que a maioria dos casos ocorre dentro da própria casa, com o agressor sendo alguém de confiança da criança. Mas esse não é o único ambiente em que abusos acontecem. A polícia quer alcançar o maior número possível de locais de risco — inclusive a escola, onde crianças e adolescentes am boa parte do dia e também podem estar vulneráveis a esse tipo de violação”, pondera a delegada-chefe da Divisão Especializada em Orientação e Proteção à Criança e ao Adolescente (Dopcad), Danúbia Quadros. 

Segundo ela, um dos principais desafios no enfrentamento ao abuso de crianças — especialmente as menores de 4 anos — é que, muitas vezes, os pequenos ainda não sabem se comunicar, nem conseguem identificar a agressão. “Não dá para confiar apenas nos números, porque eles não refletem a realidade. Muitas vezes, quando a criança começa a apresentar sinais de abuso, ela ainda nem sabe falar ou compreender o que está acontecendo. Nesses casos, a subnotificação é ainda maior. Um dos nossos focos de atenção é justamente esse: ensinar a reconhecer os sinais de violência”, afirma a delegada-chefe.

Uma das palestras acompanhadas pela reportagem aconteceu na Escola Estadual Ordem e Progresso, na região Oeste de Belo Horizonte, quando o delegado da Polícia Civil Diego Lopes apresentou às crianças o “semáforo do toque”: as partes do corpo que podem ou não ser tocadas por outras pessoas nas cores verde, amarelo e vermelho. Lopes afirma que é comum surgirem denúncias logo após as apresentações. “Pela natureza do crime, há situações que ocorrem dentro das próprias escolas. Por isso, é tão importante essa conversa — tanto com as crianças menores quanto com os adolescentes. Em alguns casos, também abordamos a questão do adolescente infrator e das medidas socioeducativas”, diz.

Para o vice-diretor da Escola Estadual Ordem e Progresso, Fabrício Rodrigo da Silva, a iniciativa faz diferença nas relações entre os adolescentes a longo prazo. “Eles estão em uma fase de muitas descobertas, na transição entre a infância e a adolescência, e alguns temas ainda não são tão compreendidos. Por isso, essa palestra do toque — que ensina a diferenciar o que é brincadeira do que é sério — é muito importante. Depois da apresentação, eles próprios am a se vigiar, de forma muito autêntica. E isso é muito bacana”, diz. Segundo o gestor, na unidade, funcionários e professores estão sempre atentos aos comportamentos dos estudantes para evitar qualquer tipo de violência. 

Na cidade de Cantagalo, na região do Rio Doce, uma criança de 8 anos denunciou ter sido abusada por um familiar logo após uma palestra do Maio Laranja, em 14 de maio. O homem, de 30, foi preso em seguida. “Esse caso demonstra o papel decisivo da conscientização e da escuta qualificada”, disse o delegado responsável pelo caso, Marceleandro Clementino da Silva. Em Nova Lima, um exemplo de abuso dentro da escola vem se desdobrando há quase dois anos: a família de uma adolescente denuncia que ela foi estuprada durante uma aula de hip-hop em uma escola municipal, em agosto de 2023, quando tinha 10 anos. O suspeito teria se aproveitado do momento em que ela descansava em um colchonete. O professor foi indiciado pela Polícia Civil em setembro de 2024, mas segue solto. Ele chegou a descumprir uma medida protetiva indo, em abril deste ano, duas vezes à casa da vítima. A PCMG informou que a denúncia de descumprimento da medida foi analisada e concluída sem indiciamento, uma vez que os elementos de informação “não demonstraram a ocorrência do crime". O TJMG, por sua vez, informou que não pode dar detalhes sobre o processo, que envolve menor de idade. 

Atenção aos sinais 

O delegado Diego Lopes alerta que alterações no comportamento de crianças e adolescentes são comuns após abusos e podem ajudar na identificação dos casos. “Essa mudança é algo a ser percebido. Chamamos atenção de pais, familiares e professores fiquem mais atentos a isso. Às vezes, é um caso de uma criança ser muito comunicativa e, abruptamente, se tornar quieta, introspectiva. Ou uma criança tranquila, um bom aluno, que a a ter comportamentos problemáticos. Já é um indício de que algo pode estar errado”, orienta. 

Dados da violência sexual

 A Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) acompanha os casos de violência sexual por um temático. Só até 12 de maio a pasta registrou 64 vítimas de violência sexual em escolas de Minas Gerais. Em 75% dos casos, as vítimas são do sexo feminino. Dos 16 registros em que as vítimas eram do sexo masculino, nove tinham entre 1 e 4 anos. 

Quando os dados rompem os muros das escolas, o perfil das vítimas muda. Em todo o Estado, a SES registrou até 12 de maio 1.927 notificações de violência sexual. Mais da metade dos casos — 1.108 — ocorreram em residências. Em segundo lugar, aparece a via pública como o local mais frequente de abusos. As vítimas no contexto geral são meninas entre 10 e 14 anos, com 452 registros, seguidas por mulheres de 20 a 29 anos, com 238 casos. O balanço considera como violência sexual casos de assédio, estupro, exploração sexual, pornografia infantil e outros casos. 

 Neste ano, quase 35% das vítimas relataram que já tinham sido violentadas mais de uma vez pelo mesmo suspeito. Em 22% dos casos, o abuso foi cometido por mais de uma pessoa. 

O que diz o governo de Minas?

Procurada, a SES-MG disse que atua em conjunto com outros órgãos de governo para garantir acolhimento, assistência adequada e proteção às vítimas de violência. A pasta promove capacitações de profissionais, assegurando os devidos cuidados físicos, mentais e sociais às vítimas. “Em se tratando de crimes contra crianças de 1 a 4 anos, o atendimento é prioritário, com abordagem especializada. Nesse sentido, a escola pode ser o local de identificação, e não necessariamente onde o abuso ocorreu — o que reforça a importância da escuta qualificada e da articulação com os órgãos de proteção. Quando o abuso ocorre ou é relatado na escola, a rede atua junto à instituição de ensino, conselhos tutelares, sistema de Justiça e serviços de saúde para notificação compulsória, interrupção da violência e encaminhamento da vítima aos serviços de referência. Nesses locais, a vítima recebe atendimento clínico, e psicológico, profilaxia para ISTs, contracepção de emergência (quando aplicável) e acompanhamento contínuo”, disse a pasta, que confirmou que os dados apresentados são de violências que ocorreram naquele local e não as que foram relatadas. 


A SES-MG pontuou que o Estado tem 108 instituições de referência para o atendimento de vítimas e que a notificação da violência contra crianças e adolescentes é obrigatória em todos os serviços de saúde, além da obrigatoriedade de relato ao Conselho Tutelar e/ou outras autoridades, conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).


Como forma de prevenção, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE-MG) desenvolve ações de prevenção de abuso e violência sexual no ambiente escolar, com orientações readas constantemente a todas as escolas da rede. Entre as iniciativas está o Programa de Convivência Democrática para o enfrentamento de todas as formas de violência e materiais de apoio, como o caderno “Fluxos de Encaminhamento em Casos de Violência nas Escolas”, que orienta a comunidade escolar sobre como agir diante de situações de violação de direitos.

Também foi elaborada a Cartilha “Enfrentamento ao Assédio Sexual nas Escolas Estaduais de Minas Gerais”, com orientações aos profissionais da rede sobre procedimentos diante de suspeitas ou denúncias e as sanções istrativas cabíveis. “A Secretaria segue atuando para garantir que o ambiente escolar seja sempre um espaço de segurança, respeito e promoção dos direitos humanos. Ressaltamos ainda que a rede estadual pública de ensino de Minas Gerais não oferta educação infantil, atendendo estudantes a partir de 6 anos de idade, nos anos iniciais do ensino fundamental até o ensino médio”, frisou a pasta de Educação.