LEGISLAÇÃO

O que aconteceria se o crime de ‘Adolescência’, da Netflix, acontecesse no Brasil?

Série é o mais recente fenômeno do streaming e levantou discussões

Por Lucas Gomes
Atualizado em 28 de março de 2025 | 13:52

Fenômeno na Netflix nas últimas semanas, a série “Adolescência” levantou diversos questionamentos e discussões nas redes sociais. Na trama, que estreou na primeira quinzena de março, um menino, de 13 anos, foi detido suspeito de ass a facadas uma colega de escola. Ao longo dos quatro episódios, os espectadores acompanham a detenção, o interrogatório e o tratamento psicológico do personagem principal, o menino Jamie Miller, e entende um pouco da forma como menores envolvidos em crimes hediondos são tratados pela Justiça inglesa. Uma das perguntas que fica é: como seria se fosse no Brasil?  

Após o crime, a Justiça inglesa emitiu um mandado de prisão. O garoto foi detido em casa, acompanhado por um tutor do Estado e sem a presença do pai. Durante o interrogatório, contudo, o adolescente foi acompanhado pelo pai. Não há condenação na trama, mas Miller aguarda a pena internado em uma clínica de tratamento psiquiátrico. Em entrevista à rádio Times, Stephen Graham, um dos criadores da série, afirmou que a série, embora ficcional, foi inspirada em diversos casos registrados no Reino Unido, onde adolescentes mataram a facadas garotas da mesma faixa etária. Ele citou casos de Londres e do Norte do país, onde os garotos foram condenados à prisão perpétua. 

A advogada criminalista Mariana Migliorini explicou que as Justiças brasileira e britânica são diferentes, mas que boa parte do processo envolvendo menores infratores são relativamente semelhantes. Se o caso ocorresse no Brasil, a advogada explica que o adolescente responderia por ato infracional análogo ao feminicídio. Se fosse flagrante, ele poderia ser apreendido, levado até a delegacia de Infância e Juventude, onde seria lavrado o Auto de Apreensão em Ato Infracional. Se não tivesse flagrante, o Ministério Público poderia pedir a internação do adolescente em local equivalente à idade da pessoa em desenvolvimento. No Brasil, um adolescente pode ficar internado até os 21 anos, a partir disso a punibilidade é extinta e o infrator deve ser devolvido ao convívio social.  

Em caso de ato infracional em terra brasileira, o adolescente também é interrogado pelo juiz de Infância e Juventude com todas as garantias jurídicas, direito à defesa, acompanhado dos responsáveis legais, entre outras. Para além das questões jurídicas, a advogada faz um alerta sobre os perigos dos ‘redpill’ e do ‘incel’, que são movimentos abordados na série.  

 “O que temos hoje é uma geração de meninos que fica muito tempo no computador, em razão do distanciamento social, e que está sendo doutrinada à base de misoginia, que é esse ódio à mulher. Então, eles não conseguem ter o à mulher, ao sexo, à paquera. Isso porque tudo se dá pelo computador, cada um na sua oca", aponta a especialista. Ainda segundo a advogada, os meninos são inseridos neste contexto de misoginia ainda na primeira infância - ou seja, antes de completarem oito anos. Esses garotos, conforme a especialista, am a considerar o homem como provedor de dinheiro e como responsável "por dar conta de tudo".   

 "amos por uma fase em que o homem não sabe se colocar socialmente. Não sabe se é provedor, se é forte ou fraco. Com o ganho de independência da mulher, com as lutas feministas, a gente alcançou muita coisa e os meninos estão perdidos. Esses grupos redpill são grupos que promovem verdadeira separação de sexos, de meninos versus meninas, e os meninos criam esse ódio, a misoginia, essa raiva das mulheres. O Brasil bate recorde de feminicídio, é isolado o país que mais mata mulher trans, tudo hoje em dia afeta a masculinidade, que é extremamente frágil”, contextualizou. 

O que é redpill? 

O termo redpill faz referência à pílula vermelha de Matrix, onde quem a escolhe no lugar da pílula azul, tem o à verdade pura. No contexto da misoginia, essa “verdade” é a de que os homens são injustiçados pela sociedade e, principalmente, pelas mulheres. Já o “incel” é a abreviação e junção de involuntary celibates, ou celibatário involuntário, em tradução livre. Nesse sentido, incel são aqueles que não conseguem o sexo por serem incapazes de conquistar uma garota.  

 No caso da série “Adolescência”, a garota pretendida por Miller o chamou de incel, ou seja, ele nunca teria alguma chance com ela, o que provocou ainda mais a ira e a misoginia do garoto.  

Cuidados em casa 

O coronel Flávio Santiago, diretor de Comunicação Organizacional da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), abordou a série em um texto publicado nas redes sociais e alertou para os problemas dentro de casa. “A matemática é simples. Menino isolado no quarto, mais computador com o ilimitado, mais pais que deixam de confrontar o dia-a-dia dele, mais ausência de envolvimento direto e participação nas coisas básicas da vida, como, por exemplo, jogar conversa fora ou ver um filme juntos, mais desconhecimento das agruras vivenciadas na turbulência da fase jovial, mais protecionismo exacerbado, sem, contudo, rebater os pequenos vícios de comportamento demonstrados, é igual a possibilidade de crimes, desenvolvimento de comportamentos desviantes e uma gama de outras tempestades”, resumiu. 

O coronel sugere que os pais tomem “o quarto dos filhos com muito amor e participação”. “Seja a boa censura (se assim posso chamar), não para criticar, mas para fazer com que os mergulhos deles não atinjam o fundo da piscina. Outra coisa, saiba como eles estão e com quem andam. Pare com esse negócio de achar que estão se intrometendo na vida deles. Para isso servem os pais, responsáveis pela educação dos filhos. E quem ama, educa. Já dizia o falecido autor renomado Içami Tiba, educação é dizer não, é ser, muitas das vezes, austero com eles. Austeridade não se confunde com violência. Pense no adulto que eles se tornarão. Pense mesmo. Frouxidão não faz o carro de boi cantar, já diziam os mais antigos. Beije-os, abrace-os, mesmo que não queiram (adolescentes costumam recusar os toques dos pais nos shoppings da vida), vá em todas as reuniões da escola, se não puder de jeito nenhum, peça a um irmão, um tio, alguém que tenha capacidade de representação”, publicou.