O bairro Sagrada Família, um dos mais tradicionais de Belo Horizonte, tem uma área de 228 hectares. O espaço, capaz de abrigar os seus cerca de 35 mil moradores, caberia — com sobra — dentro dos cerca de 300 hectares que, no dia 25 de janeiro de 2019, foram engolidos pelos rejeitos da barragem que se rompeu em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. ados seis anos, a Vale, mineradora responsável pelo crime que é considerado o maior desastre ambiental do Brasil, conseguiu remover 88% da lama que destruiu tudo que via pela frente, incluindo 272 vidas. Apesar desse avanço, até o momento, a recuperação ambiental está em curso em 2,5% do total da área devastada.
Os dados foram reados a O TEMPO pela empresa no último dia 17 de janeiro, quando apresentou à imprensa um balanço de suas ações de reparação. Gustavo Moraes, gerente do meio biótico da reparação da Vale, explica que as obras de recuperação de cursos d'água e o plantio florestal só foram iniciados em setembro de 2024, uma vez que dependia de uma série de fatores, como a liberação das áreas de busca pelo Corpo de Bombeiros — que continua procurando por três das vítimas que seguem desaparecidas — e a aprovação das ações a serem implantadas pelos órgãos públicos e auditorias socioambientais.
Em 100 dias, cerca de 4 hectares já aram pela 1ª das três fases da recuperação, que tem previsão de levar cerca de 10 anos até que a área esteja completamente recoberta pela vegetação nativa.
“A 1ª fase da restauração florestal se inicia com algumas espécies que são chamadas de recobrimento. Podemos ver aqui um mix com cerca de 15 espécies, entre elas o girassol, que serve tanto para evitar o processo erosivo como para recompor o solo com a matéria orgânica. Somente então entramos com a restauração florestal, com o plantio de mudas de árvores nativas, como a Aroeira e o Ipê-Amarelo, algumas delas com a genética local”, detalha Gustavo. Da 1ª fase à última, todo o processo deve levar 10 anos para acontecer.
Especialista vê com receio expectativa da Vale: “propaganda”
A expectativa da Vale é que até 2030 o processo de recuperação ambiental tenha ao menos sido iniciado em todos os 300 hectares devastados pela lama. Entretanto, a ambientalista do Movimento pelas Serras e Águas de Minas Gerais (MovSAM), Maria Teresa Corujo, não vê com o mesmo otimismo da mineradora com relação à recuperação ambiental da área degradada.
“Vejo meramente como propaganda e marketing. A Vale só fica otimista com o aumento dos lucros e das toneladas do nosso minério sendo exportados. A postura da Vale é tão descarada que, em 19 de janeiro de 2022, ela publicou uma matéria em seu site que dizia que as ações ambientais avançavam ‘respeitando o tempo da natureza’. O que seria isso, esperar eternamente pela recuperação?”, indaga.
Ainda conforme a ambientalista, que luta há anos contra os estragos causados pela ação de mineradoras ao meio ambiente, o principal entrave para a recuperação dessa área seria a própria Vale, que divulga as “maravilhas” que está fazendo, mas, na prática, posterga o trabalho e “não faz o que deveria”. “Somado a isso, a meu ver, temos as chamadas ‘autoridades’ que permanecem tratando a mineradora como idônea, como se nada tivesse acontecido, assinando acordos e Termos de Ajustamento de Conduta completamente inaceitáveis, sem escutar a sociedade civil e a população impactada”, critica Maria Teresa.
Estação “limpou” 225 lagoas da Pampulha na bacia do Paraopeba
De acordo com o balanço apresentado pela Vale à imprensa, após o rompimento e antes dos barramentos conterem a lama, cerca de 10% do rejeito atingiu o rio Paraopeba, que abastece cidades em Minas Gerais. Uma das primeiras ações adotadas pela Vale foi a implantação de uma Estação de Tratamento de Água (ETA) no ribeirão Ferro-Carvão, afluente do rio e que foi o primeiro corpo d’água a ser atingido pela lama. A ETA ou a funcionar ainda em maio de 2019 e, de lá para cá, já foi tratado um volume equivalente a 225 lagoas da Pampulha, com a retirada de 13 mil m³ de rejeitos de minério e outros sedimentos dessa água.
“Na ETA, retiramos todas as partículas que estão presentes nessa água, entre elas o rejeito. O ribeirão a por um processo de filtragem e é devolvido à natureza com uma qualidade muito superior ao que ela entrou na estação, sem nenhum tipo de partícula ou rejeito”, detalha Vítor Pimenta, gerente do meio físico da reparação da Vale.
Entretanto, a ambientalista Maria Teresa Corujo contesta a informação reada pela Vale de que 10% dos rejeitos atingiram o rio Paraopeba. Segundo ela, um relatório da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (RM), de 2020, indica que pelo menos 5 milhões de m³ dos rejeitos estariam depositados no leito, o que representa cerca de 43% dos quase 12 milhões de m³ que escaparam da barragem.
“De acordo o Instituto Guaicuy, a estimativa acordada do Plano de Recuperação Socioambiental era de que até o final de 2024 o processo de retirada de rejeitos cobrisse 54 km do rio Paraopeba. No entanto, até o início de fevereiro daquele ano os trabalhos alcançaram apenas 550 metros. Ou seja, apenas 1% do planejado. Com essa lerdeza, atraso dos trabalhos e ínfima atuação da Vale diante da magnitude do impacto, não acredito que o rio Paraopeba seja recuperado ambientalmente e volte a ser o que era. Ainda mais com novos empreendimentos minerários sendo licenciados ali próximo e ao longo da bacia”, pontua.
Segundo o gerente do meio físico da reparação da Vale, Vítor Pimenta, apesar de ter capacidade para receber toda a vazão do ribeirão durante a maior parte do ano, no período chuvoso, quando o volume do corpo d’água cresce consideravelmente, isso muda. A ambientalista Maria Teresa Corujo explica que é justamente neste período, quando ocorrem enchentes, que o fundo do rio é revirado e o rejeito depositado ali acabam suspensos na água.
“Isso provoca a continuidade da contaminação das águas e da biota aquática com os metais pesados. Um detalhe: as duas estações de tratamento instaladas pela Vale (Estação de Tratamento de Água Fluvial (ETAF) Lajinha e ETAF Iracema (Ferro-Carvão) não estão no rio Paraopeba. A primeira trata água dragada dele (2,25 milhões de litros de água por hora) e a segunda (2 milhões de litros de água por hora) está num afluente do rio Paraopeba, que a lama impactou. A vazão do rio Paraopeba na altura da Estação Fluviométrica Alberto Flores foi de 684 milhões de litros/hora no dia 19/3/2020, de acordo com relatório da RM. Ou seja, o que está sendo tratado corresponde a cerca de 0,60% e não há nenhum tratamento de água do rio em si feito pela Vale ao longo de todo o percurso que recebeu os rejeitos até Três Marias”, conclui Maria Teresa.
O rompimento
- 272 mortos (três deles ainda desaparecidos)
- Mais de 153 mil pessoas atingidas em MG
- 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos vazados
- 26 cidades atingidas
- 290,14 hectares soterrados pela lama
- 132 hectares de Mata Atlântica impactados
- 732 pessoas desabrigadas pela lama
Reparação em números
- R$ 37,7 bilhões destinados ao Acordo de Reparação Integral
- R$ 2,4 bilhões em auxílio emergencial pagos a 100 mil pessoas
- R$ 3,8 bilhões em indenizações para 17 mil atingidos
- 88% do rejeito retirado
- 167 mil atendimentos psicossociais
- 10.913 animais resgatados (777 ainda aguardam por adoção)
- 321 hectares recuperados (160 deles de Mata Atlântica)
- 228 mil mudas de espécies nativas plantadas