Cruzeiro SAF é um sucesso? Relembre compra, revenda, valores e opinião de especialistas

Em pouco mais de três anos, o Cruzeiro ou pelas transformações mais intensas de todos os seus 104 anos de existência. Um clube que estava prestes a desaparecer por conta das dívidas, que desencadearam péssimos resultados em campo, encontrou na transformação em Sociedade Anônima do Futebol (SAF) um novo caminho. Perto de completar um ano de revenda das ações da Raposa — de Ronaldo Nazário para Pedro Lourenço —, O TEMPO Sports analisa as operações financeiras e resultados esportivos no período. E responde: investir no futebol é lucrativo?

Em 18 dezembro de 2021, logo após a SAF celeste ser aprovada pelo Conselho Deliberativo do clube, Fenômeno foi anunciado como o novo dono de 90% das ações. Assumindo aproximadamente R$ 1 bilhão em dívidas acumuladas por gestões adas, ele comprou a Raposa por R$ 400 milhões, sendo que R$ 50 milhões deveriam ser aportados inicialmente e os outros R$ 350 milhões obrigatoriamente investidos nos cinco anos posteriores.

Não é público se esse dinheiro foi aplicado aos cofres celestes antes da venda da SAF para Pedro Lourenço, em abril de 2024, mas, analisando as movimentações, é possível estimar que Ronaldo tenha tido uma receita de R$ 550 milhões em dois anos, período que ficou à frente do clube-empresa. A venda para Pedrinho é estimada em quase R$ 600 milhões, conforme documentos da Junta Comercial.

Dessa quantia, R$ 100 milhões já haviam sido pagos pelo fundador do Supermercados BH, em março de 2023, para investimentos no clube. Negócio, efetuado antes da SAF ser reada, foi tratado na época como empréstimo que poderia ser transformado em ações (debêntures conversíveis). Outros R$ 200 milhões também foram quitados; os R$ 300 milhões restantes foram parcelados até 2030.

Quanto às dívidas do clube associativo e assumidas pela SAF em processo de Recuperação Judicial, iniciado na gestão Ronaldo, débitos na casa de R$ 500 milhões já foram pagos — os valores foram escalonados para pagamento até 2033. Por força da lei, a associação, atualmente presidida por Lidson Potsch Magalhães, ainda detém 10% da SAF estrelada.

É um sucesso?

Conforme Caio Caldeira, gestor esportivo e autor do livro "Futebol de A a Z: Considerações e Reflexões", ainda é cedo para afirmar que a SAF do Cruzeiro é consolidada, especialmente devido ao tempo e às circunstâncias em que foi instituída. "À época, o clube ava por dificuldades que inviabilizava sua gestão e, através de mecanismos da lei, como a Recuperação Judicial, foi a única sobrevida possível. istrativamente, o clube, através da associação e com responsabilidade solidaria da SAF, ainda tem importantes obrigações com suas dívidas, o que impacta diretamente na gestão desportiva”, explicou.

No entanto, ela está no rumo certo. “Podemos afirmar que a SAF do Cruzeiro ou por dificuldades "naturais"  e segue um rumo de sucesso dentro das condições possíveis, ou seja, a reorganização das finanças e o investimento aos poucos no futebol como um todo, englobando a reforma da Toca que se tem noticiado, um maior investimento na base e no plantel profissional”, completou.

Já para Rene Salviano, CEO da agência de marketing Heatmap e também gestor de futebol, a Raposa é tida no meio como um modelo a ser seguido, mas em ascensão. Conforme o especialista, o principal desafio da gestão é tornar a instituição autossuficiente financeiramente, ou seja, sem precisar de grandes aportes para sobreviver.

“Acredito que podemos considerar o processo da SAF Cruzeiro como sucesso, mas que ainda tem os a serem dados. Pedro Lourenço e seus filhos são pessoas sérias, competentes, e que agora possuem o dever de tornar a instituição autossustentável e referência desportiva. É uma instituição que tem milhões de apaixonados, mas aliar gestão com uma equipe competente e que saiba ouvir os torcedores, acredito que seja a fórmula para um sucesso contínuo e cada vez mais sólido”, explicou.

Rene frisa que somente o dinheiro não gera sucesso. “Para gerir um clube desse tamanho, deve-se pensar a longo prazo, é um planejamento traçado para muitos anos e, no caminho, naturalmente aparecem pedras. O Cruzeiro está no caminho, formar atletas de qualidade na base, gerir bem o profissional e ficar atento às oportunidades de novas receitas podem ajudar na construção, mas nenhuma parte é válida se não tiver um ecossistema de gestão muito alinhado”, opinou.

Revenda será comum?

O Cruzeiro foi o primeiro clube, no formato de SAF, a ser revendido no Brasil. Depois, aconteceram outros negócios, como do Athletic, também de Minas Gerais, no ano ado. Segundo Caio, cases como do Cruzeiro abrem as portas para investidores que não do ramo esportivo entrarem nesse tipo de negócio.

"Tenho visto as SAFs como uma forma de investimento alternativa para grandes empresários, que muitas das vezes não são do ramo do futebol, mas apaixonados pela modalidade. Destaco dois cases mineiros: Athletic e Itabirito. O primeiro, através do competente Vinicius Diniz, empresário da mineração; e o segundo do Maycon Pereira, do ramo de locação de carros. Ambos importantes empresários e apaixonados por futebol e que perceberam a oportunidade. O Vinicius fez a revenda e certamente lucrou mais do que investiu.

Conforme Rene, apesar de os clubes-empresas terem por trás, muitas vezes, torcedores no comando, o lucro ainda é o foco principal. "O Cruzeiro é um caso à parte porque tem um grupo que é dono com alta dose de paixão e profissionalismo empresarial. Lidar com futebol é diferente e, com certeza, será assimilado em curto espaço de tempo por eles, pelo histórico de vida e vitória que possuem. A tendência no Brasil será de SAFs com foco lucrativo. O Cruzeiro é um caso especial, tem que dar lucro (obrigatório para uma empresa sadia), mas que não precisa ser dividido entre os sócios — apesar de isso ser mais que justo. Isso é o que enxergo atualmente para um projeto ainda novo, mas com muitos indícios de sucesso. O foco prioritário neste caso me parece o bem da instituição", explanou.

Eras Ronaldo e Pedrinho

Pedro Lourenço assumiu o clube em 2024, e, diferente de seu antecessor, já investiu bem mais em menos tempo. Só na primeira janela de transferências da era Pedro Lourenço, foram gastos cerca de R$ 200 milhões em contratações. Valor já ampliado. Neste ano, estima-se que o empresário tenha gasto R$ 70 milhões em novatos.

Esportivamente falando, Ronaldo conseguiu tirar o Cruzeiro da Série B, em uma campanha histórica — o garantido com sete rodadas de antecedência. Mas foi o único no período de gestão do ex-jogador. Estima-se que o investimento no elenco daquele 2022 tenha girado em torno de R$ 3 milhões mensais, valores cobertos pelas próprias receitas do clube — direitos de transmissão, sócio-torcedor, marketing e outros. Na gestão, mais de 40 jogadores vestiram a camisa da Raposa. Muitos deles, vindos em transações que o clube não precisou adquirir direitos, ou seja, sem multas.  

Sob a istração de Pedro Lourenço, o Cruzeiro somou 18 contratações, em duas janelas de transferências. O cartão de visitas do empresário, apaixonado pelo clube, foi uma mensagem clara para o futebol nacional: "o Cruzeiro está de volta!" A negociação envolvendo o goleiro e ídolo corintiano Cássio empolgou o mais cético torcedor, que ainda contaria com outros nomes de peso. 

O impactante anúncio da contratação de Gabriel Barbosa ainda levou ao lotado Mineirão outros jogadores como o atacante Dudu, multicampeão pelo Palmeiras. A ideia de devolver rapidamente ao clube o espírito campeão parou na boa equipe argentina do Racing. A derrota na decisão da Copa Sul-Americana de 2024 freou a primeira meta ousada que tinha Pedro Lourenço e companhia de disputar a Libertadores da América já em 2025.

A atual gestão praticamente abriu mão dos antigos contratados da SAF Ronaldo, com apenas nove atletas remanescentes. E os investimentos subiram não só o nível do elenco, mas também a folha salarial. O Cruzeiro confirma que a mensalmente investe mais de R$ 20 milhões com o salário dos jogadores e se aproxima de R$ 400 milhões em contratações até aqui.

Linha do tempo da SAF do Cruzeiro 

29/11/2021: Presidente Sérgio Santos Rodrigues anuncia a transformação do Cruzeiro em clube empresa, o primeiro do país a registrar a SAF. A princípio, apenas 49% das ações poderiam ser vendidas a um ou mais potenciais investidores. O documento ressalta que as cores, o símbolo, a sede e o nome do clube serão preservados.
 
6/12/2021: Cruzeiro a a ter um novo CNPJ como Sociedade Anônima de Futebol (SAF). O registro foi feito na Junta Comercial.

18/12/2021: Ronaldo assina termo de compra de 90% das ações da SAF, com compromisso de investir R$ 400 milhões no clube nos próximos anos. Fica acordado um período de 120 dias para o processo de ‘transição’ da associação para a SAF Cruzeiro.

24/1/2022: Ronaldo Fenômeno usa recursos próprios para quitar dívida de R$ 23 milhões do clube para que o Cruzeiro colocasse fim ao transfer ban imposto pela Fifa e pudesse voltar a registrar seus novos reforços.

14/3/2022: Ronaldo se reúne com membros da Mesa Diretora do Conselho Deliberativo do Cruzeiro e apresenta ‘condições’ para adquirir “de fato” os 90% da SAF Cruzeiro. Entre estas condições estariam a inclusão de patrimônios do clube como a Toca I e a Toca II como ‘garantia’ do negócio. Negócio é votado e aprovado.

4/4/2022: Conselho Deliberativo do Cruzeiro aprova condições impostas por Ronaldo para adquirir a SAF, como implementação da Recuperação Judicial e inclusão dos centros de treinamento no negócio.

8/4/2022: Após quase quatro meses de ime, Nazário finalmente assinou o contrato de compra da SAF. A partir dali, o empresário ou a gerir, oficialmente, o Cruzeiro.

21/9/2022: Em vitória por 3 a 0 sobre o Vasco da Gama no Mineirão, a torcida do Cabuloso pôde comemorar: o time estava de volta à Série A do Campeonato Brasileiro. Dias depois, o título da competição foi confirmado.

23/1/2023: Numa das brigas mais fervorosas da época, Fenômeno anunciou que a relação da Raposa com o estádio Mineirão estava rompida. Ime se deu, principalmente, pela discordância com relação a divisão de receitas e custos operacionais. Clube foi jogar em outros estádios, como o Independência.

23/3/2024: Após um ano turbulento e com críticas da torcida, 2024 começou ainda pior. Após perder a final do Campeonato Mineiro para o Atlético de virada, em pleno Mineirão abarrotado de cruzeirenses, Ronaldo foi um dos alvos de protesto na Pampulha. Ele foi chamado de Judas e foto de seu rosto colada em um boneco.

29/4/2024: Atitude foi a 'gota d'água' para o presidente largar o projeto. Estrela efetuou uma última reunião com Pedrinho, com quem já tinha parceria, para selar a venda da SAF. Dias antes, empresário mineiro já articulava nomes de sua equipe, como Alexandre Mattos, hoje CEO.

1/1/2025: No primeiro segundo do ano, o Cruzeiro anunciou aquela que é considerada a maior contratação deste século pelo clube: de Gabigol. Apesar de ainda não ter demonstrado muito, o camisa 9 é a maior estrela do atual plantel