BRASÍLIA - A relação entre os membros do Supremo Tribunal Federal (STF) nunca foi totalmente harmônica. Desde o mensalão até as eleições de 2022, o plenário da Corte serviu de palco de embates calorosos, alguns bem menos cordiais do que outros. 

Brigas como as de Luís Roberto Barroso e as “pitadas de psicopatia” atribuídas a Gilmar Mendes, além da tensão declarada entre Joaquim Barbosa sobre não ser um dos “capangas" do Gilmar “no Mato Grosso”, polarizaram o tribunal em diferentes momentos e marcaram o cenário político-jurídico brasileiro. 

A postura combativa do governo de Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados, no entanto, ao descredibilizar frequentemente o tribunal, seus integrantes e decisões, parece ter gerado um revés inesperado nessas relações.

Ao invés de fragilizar a instituição, as críticas e ataques à Suprema Corte brasileira funcionaram como um catalisador para que ministros – com suas diferentes correntes ideológicas e políticas – se unissem em defesa da autonomia e independência institucional.

Se num ado não tão distante havia ministros que mal se falavam, agora o distanciamento e até as inimizades deram lugar a trocas de ideias focadas na construção de uma frente unificada contra ataques externos.

Os insultos a magistrados em viagens ao exterior e as invasões e depredações do Palácio do STF em 8 de janeiro contribuíram para o fortalecimento dessa união. E o atentado à bomba no Palácio do STF em 13 de novembro de 2024 serviu para selar esse “pacto”. 

Por lá, ou-se a dominar o entendimento que a necessidade de reforço na segurança pessoal não é mais só de Alexandre de Moraes, alvo principal dos descontentamentos de aliados da oposição,  mas sim dos 11 magistrados que compõem o tribunal.

Um exemplo disso foi o discurso conjunto em defesa do Supremo, no qual ministros como Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso se manifestaram contra os ataques do governo Bolsonaro e reforçaram o compromisso com o funcionamento da Justiça no país.

Outro fator também é levado em consideração por interlocutores dos gabinetes no STF: a chegada de novos ministros, com menos de cinco anos de Casa. A renovação de quase 40% da Corte desde 2020 é vista como um elemento favorável no arrefecimento dos ânimos.

Isso mesmo considerando que dois deles representam campos opostos: Nunes Marques e André Mendonça, indicados por Bolsonaro, no espectro conservador, e Cristiano Zanin e Flávio Dino, nomeados por Lula, no progressista.

Gilmar Mendes e Barroso: da desavença à aliança
Um dos exemplos mais emblemáticos das desavenças internas no STF foi o confronto entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Ambos se destacaram por suas divergências ideológicas e posicionamentos conflitantes sobre questões-chave da jurisprudência brasileira. 

Em 21 de março de 2018, em um julgamento em que se debatia a doação de campanha eleitoral, Gilmar Mendes criticou a construção da pauta no plenário, apontando “manobras" de colegas para votarem determinados processos.

"Ah, agora vou dar uma de esperto e conseguir a decisão do aborto, de preferência na turma com dois, três ministros". A resposta  veio de pronto, do outro lado do plenário, rebatida por Luís Roberto Barroso. 
 
"Me deixa de fora desse seu mau sentimento. Você é uma pessoa horrível. Uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia. Isso não tem nada a ver com o que está sendo julgado. É uma absurdo Vossa Excelência aqui fazer um comício, cheio de ofensas, grosserias. Vossa Excelência não consegue articular um argumento”, continuou.

“Já ofendeu a presidente [Cármen Lúcia, na ocasião], já ofendeu o ministro Fux, agora chegou a mim. A vida para Vossa Excelência é ofender as pessoas. Não tem nenhuma ideia. Nenhuma. Só ofende as pessoas. Qual é sua ideia? Qual é sua proposta? Nenhuma! É bílis, ódio, mau sentimento, mal secreto, uma coisa horrível”, completou.

As frases disparadas por Barroso viralizaram, são lembradas em memes e viraram até estampas de camisetas na época. 

Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes: rivalidade transformada
Outro capítulo tenso da história não tão distante do STF envolveu os ministros Joaquim Barbosa e o decano Gilmar Mendes, cuja relação foi marcada por um longo histórico de desentendimentos. 

Barbosa, conhecido por sua postura firme durante o julgamento do mensalão, em 2012, se opôs abertamente a Gilmar Mendes, criticado por seu estilo de atuação e suas intervenções, muitas vezes incomodando outros ministros.

O confronto entre os dois teve início quando Mendes acusou Barbosa de fazer julgamentos diferentes com base na classe social dos envolvidos. Barbosa respondeu, sugerindo que o ministro expusesse sua tese de maneira clara, ao que Mendes rebateu, criticando a utilização de argumentos de classe e o acusando de populismo judicial. 

O clima esquentou ainda mais quando Mendes afirmou que Barbosa não tinha participado dos primeiros julgamentos sobre o tema, e Barbosa, por sua vez, questionou a moral de Mendes, alegando que ele estava destruindo a justiça do país. 

O debate se intensificou com trocas de ofensas, incluindo a provocação de Barbosa sobre Mendes estar mais preocupado com a mídia do que com a credibilidade do Judiciário. O presidente da corte, Ayres Britto, interrompeu o debate pedindo vista, mas as tensões continuaram.

"Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com os seus capangas de Mato Grosso, ministro Gilmar. Respeite", reagiu Joaquim. Mendes nasceu em Mato Grosso.