BRASÍLIA. O julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que dificulta a realização de aborto legal em caso de estupro será concluído de forma presencial no plenário da Corte. A análise começou nesta sexta-feira (31) de forma virtual, mas um pedido de destaque do ministro Kassio Nunes Marques fará com que o caso seja levado para decisão presencial.
Antes do pedido de Nunes Marques, houve divergência sobre o assunto. O relator, ministro Alexandre de Moraes, defendeu que a orientação do CFM continue suspensa. Ele já tinha assinado decisão individual nesse sentido em 17 de maio. Já o ministro André Mendonça abriu discordância e se manifestou contra a decisão monocrática de Moraes, que está em julgamento. Dessa forma, Mendonça alegou não ver ilegalidade na decisão do CFM.
A resolução do CFM proíbe médicos de realizarem a chamada “assistolia fetal”. A prática, permitida em casos de aborto legal, consiste na interrupção da gravidez após 22 semanas de gestação decorrente de estupro.
Recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para esses casos legais, o procedimento se resume na aplicação de uma injeção de produtos que induzem a parada do batimento do coração do feto antes de ele ser retirado do útero da mulher. A prática evita que o feto seja retirado do útero com sinais vitais e previne o desgaste emocional e psicológico das pacientes e equipes médicas.
A ação no STF foi protocolada pelo PSOL. O partido alega que a proibição do uso da técnica, como definiu a nota do CFM, restringiria a liberdade científica e o livre exercício profissional dos médicos, além de, na prática, submeter meninas e mulheres à manutenção de uma gestação compulsória ou à utilização de técnicas inseguras para o aborto.
Além de derrubar os efeitos da resolução do CFM, Moraes votou para suspender todos os processos judiciais e procedimentos istrativos e disciplinares baseadas na norma e proibir a instauração de novas ações.
Moraes justificou ver “a existência de indícios de abuso do poder regulamentar por parte” do CFM. O ministro escreveu que, ao limitar o procedimento que inclusive é recomendado pela OMS, o órgão “transborda do poder regulamentar inerente ao seu próprio regime autárquico, impondo tanto ao profissional de medicina, quanto à gestante vítima de um estupro, uma restrição de direitos não prevista em lei, capaz de criar embaraços concretos e significativamente preocupantes para a saúde das mulheres”.
Já Mendonça, ao discordar de Moraes, afirmou que a norma do CFM “se respalda em estudos” e "encontra balizador na ciência médica”, e não na Constituição Federal. “Assim, entendo que este Tribunal — em particular — e o Poder Judiciário — em geral — não dispõem de capacidade institucional ou técnica para escrutinar o acerto ou desacerto da norma. [...] Cabe à medicina definir em quais situações o referido procedimento cirúrgico se afigura mais adequado”.