BRASÍLIA - O ministro da Previdência Social, Wolney Queiroz, anunciou que o programa “Meu INSS Vale+”, que permitia antecipar parte do benefício previdenciário, vai ser revogado após cobranças indevidas feitas aos segurados pelo banco digital Piay, pertencente aos irmãos Wesley e Joesley Batista.

Segundo o ministro “todas as instituições financeiras que estavam credenciadas pelo INSS poderiam participar”. No entanto, apenas o Piay estava operacionalizando o programa quando ele foi suspenso, no dia 7 de maio, após relatos de que a empresa cobrava uma taxa de até R$ 20,99 dos beneficiários.

Em audiência no Senado, Wolney afirmou que o Meu INSS Vale+ já foi “praticamente extinto” e será revogado, ainda sem uma estimativa de quando isso vai acontecer.

“Acho que esse produto será reavaliado para ser finalizado. [...] O que eu soube é que o credenciamento foi aberto a todas as instituições financeiras que tinham ACT [Acordo de Cooperação Técnica] celebrado com o INSS. Então, ela foi a primeira a ter o nome aprovado. Outras seriam na sequência, mas não houve tempo para isso porque foi só um mês, e esse produto já foi descontinuado”, disse, na quinta-feira (15).

O Meu INSS Vale+ antecipava até R$ 450 do benefício, com desconto do mesmo valor na mensalidade do mês seguinte. O objetivo seria evitar que o beneficiário recorresse a empréstimos para cobrir despesas como remédios, alimentação, gás e transporte.

O pagamento vinha sendo efetuado de forma exclusiva pelo banco digital Piay. No entanto, foi detectado que a empresa estava cobrando taxas para isso.

“Esse valor seria descontado do final do mês sem juros, sem anuidades, sem mensalidades, sem qualquer tipo de encargo. Essa era a ideia inicial. Se isso depois foi desvirtuado, agora é inócuo. Só houve desconto de um mês, e tudo isso foi suspenso”, declarou Wolney.

Na audiência, o ministro também disse não saber que o Piay pertence aos irmãos Batista, donos da JBS e do grupo J&F.

“Nem tinha conhecimento de que é da JBS, nem sabia que não tinha sido feito leilão. Para mim, o INSS tinha criado uma norma interna, e essa norma tinha obedecido aos critérios legais. É isso que nos chega”

As cobranças adicionais

No início deste ano, uma instrução normativa permitiu que a antecipação pudesse ser feita por outros meios além do cartão físico, desde que mediante biometria. Já no fim de fevereiro, o valor máximo de antecipação foi triplicado e ou para R$ 450.

Nessas modalidades diferentes do cartão, o pagamento era operacionalizado de forma exclusiva pelo banco digital Piay. No entanto, foi detectado que a empresa estava cobrando taxas para isso. O valor cobrado era de até R$ 20,99, para quem antecie R$ 450. Quanto menor o valor antecipado, maior o percentual da tarifa: para quem optasse por receber R$ 50, por exemplo, o custo era de R$ 4,99.

O programa foi suspenso após um ofício apresentado pela Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) em uma reunião do Conselho do INSS, ocorrida no fim de abril.

“Trata-se de alegado descumprimento das Normas do INSS pela empresa PIAY BANK - Banco Múltiplo S.A. no Programa Meu INSS Vale+ com cobrança de taxas não autorizadas nos normativos pertinentes”, diz a portaria do INSS de 7 de maio deste ano. 

O que aponta a Febraban

Em ofício apresentado ao INSS, a Febraban avalia que, na forma como foi desenhado, o programa Meu INSS Vale+ incentiva o superendividamento de um público vulnerável, que compõe a maior parte dos beneficiários, além de conduta irregular e prejudicial ao consumidor.

“Considerando que os normativos que regem o meu INSS Vale+ não especificam um limite de frequência para a solicitação da antecipação salarial, fica subentendido que, desde que os critérios estabelecidos sejam respeitados, os beneficiários do INSS poderão solicitar a antecipação de forma recorrente, o que potencializa o risco de superendividamento”, diz o texto.

O documento afirma que falta clareza na norma do INSS sobre a vedação ou permissão de cobrança de taxas ou tarifas quando os recursos não são disponibilizados por cartão físico. 

“Além disso, há incertezas sobre a viabilidade financeira para as instituições operarem o produto sem a possibilidade de cobrança de taxas ou tarifas em todas as modalidades de disponibilização”.

A federação dos bancos argumenta, ainda, que há dúvidas sobre a “natureza jurídica” da operação. “Se for considerada concessão de crédito, haveria a necessidade de cobrança de juros remuneratórios e outros encargos, como o IOF”, ressalta. 

O ofício enviado ao INSS conclui que a antecipação de benefícios tem o potencial de trazer diferentes questionamentos, o que pode levar a uma situação de insegurança jurídica para a sua execução, e “elevado risco de exposição negativa”.

Procurado, o INSS afirmou que as informações caberiam ao Ministério da Previdência Social. Até o momento, a pasta e a Controladoria-Geral da União (CGU) não responderam aos questionamentos enviados.

Quem são os irmãos Batista? 

Os irmãos Joesley e Wesley Batista ganharam destaque no cenário econômico mundial em 2007, quando a JBS, empresa que comandam, tornou-se a maior produtora de carne do mundo, após comprar a americana Swift. O empreendimento começou com o pai deles, José Batista Sobrinho, conhecido como Zé Mineiro, em 1953, em Anápolis (GO). 
 
Para o grande público, eles ficaram conhecidos, em 2017, com a divulgação de uma gravação do então presidente Michel Temer (MDB) dando aval para a compra do silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), a respeito de pagamento de propina ou caixa dois.  

Joesley gravou a conversa entre os dois, no Palácio do Jaburu, residência oficial da vice-presidência, em Brasília. No áudio, o empresário sugere que o ex-presidente estava a par da compra do silêncio de Cunha para que ele não firmasse acordo de delação premiada sobre informações da Operação Lava Jato. Ao que Temer responde: “Tem que manter isso”. 

Na época, Joesley decidiu se afastar da J&F para que o escândalo não contaminasse o grupo. 

JBS teve grande expansão nos primeiros mandatos de Lula 

A J&F sempre cresceu por meio da compra de concorrentes, mas em 2007, com a aquisição da Swift, a JBS se beneficiou da política adotada pelo BNDES, no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de escolher campeões nacionais e fomentar sua expansão internacional. Na época, o banco fez sua primeira injeção de capital, com a compra de uma participação no grupo. 

Com isso, a JBS chegou ao posto de maior empresa privada do Brasil, em 2014.

Alvo de investigações por esquemas de corrupção 

Foi nessa época também que os irmãos Joesley e Wesley Batista ganharam notoriedade na política brasileira. A Operação Greenfield da Polícia Federal, que investigava fraudes em fundos de pensão em 2016, chegou ao grupo. De acordo com os investigadores, a Funcef, fundo da Caixa Econômica, aceitou investir na Eldorado mesmo com uma avaliação do negócio superestimada e dois votos contrários na diretoria. A investigação apontou ainda que Joesley Batista era o campeão de doações eleitorais ao PT.

A J&F, holding dos irmãos Batista, também foi investigada pela Polícia Federal na Operação Bullish, que apurou suspeitas na obtenção de recursos do BNDES pela JBS. 

Em 2017, Joesley Batista foi preso após o pagamento de propina ao presidente Michel Temer (MDB) por intermédio do ex-assessor especial Rodrigo Rocha Loures. A propina, uma mala com R$ 500 mil, foi entregue pelo ex-diretor de Assuntos Institucionais da J&F Ricardo Saud a Loures, em São Paulo. Foi em razão desse caso que houve o vazamento da gravação da conversa entre Joesley e Temer. Em 2023, o empresário foi absolvido nesse processo. 

Em 2018, Joesley também foi preso por envolvimento em um esquema de corrupção do ex-vice-governador de Minas Gerais Antônio Andrade (MDB), na época em que ele era ministro da Agricultura do governo Dilma Rousseff (PT). A JBS deu dinheiro para políticos do MDB e em troca foi beneficiada com medidas do Ministério da Agricultura, entre 2014 e 2015. 

Mesmo após escândalo de corrupção, relação com o poder continuou  

Em 2024, os irmãos Joesley e Wesley Batista voltaram ao comando do grupo J&F, após os escândalos de corrupção, e também voltaram a frequentar o círculo do poder em Brasília. 

No fim de 2023, Joesley esteve na comitiva brasileira liderada pelo presidente Lula durante a COP-28, em Dubai, nos Emirados Árabes. Em 2024, Wesley e Joesley guiaram Lula durante visita a uma planta da JBS em Campo Grande (MS). 

No mesmo ano, participaram de uma reunião com o presidente Lula, no Palácio do Planalto, com empresários do setor de carnes. Segundo a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), o tema do encontro foi o conjunto de "doações e solidariedade na questão da proteína animal para o Rio Grande do Sul, para completar as cestas básicas que não costumam ter proteína". 

Além do setor de carnes, a holding familiar J&F tem investimentos nas áreas de petróleo e gás, energia e mineração. Em 2021, no governo de Jair Bolsonaro (PL), a empresa Âmbar Energia, que pertence ao conglomerado, fechou contrato com o Ministério de Minas e Energia para construção de quatro usinas termelétricas para geração de energia. 

As usinas não foram entregues, e o contrato deveria ser suspenso. Mas graças a um despacho do atual ministro da pasta, Alexandre Silveira, a empresa conseguiu manter o acordo e faturar R$ 9,4 bilhões.