Ainda sobre as emendas parlamentares
Divisão política e a alocação de recursos no âmbito local
A polêmica sobre emendas parlamentares ganhou novo impulso com a apresentação do Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa 2025).
De um total de mais de R$ 2,3 trilhões, os parlamentares poderão destinar a Estados, municípios e entidades filantrópicas R$ 39 bilhões, ou seja, 1,6% do dinheiro efetivamente disponível em 2025 nas mãos do Tesouro Nacional. As emendas individuais consumirão R$ 24,7 bilhões e as emendas das 27 bancadas estaduais, outros R$ 14,3 bilhões.
Na última semana, argumentei que Orçamento público, democracia moderna e Parlamento nasceram juntos para controlar o poder discricionário do monarca absoluto de criar impostos e definir despesas.
Além disso, há uma abissal distância entre regimes presidencialistas (no qual há real separação dos Poderes) e parlamentaristas (em que Executivo e Legislativo são quase a mesma coisa). Mas mesmo nos presidencialismos há emendas parlamentares ou influência parlamentar decisiva na fixação dos gastos. A questão que nos diferencia é que, em nosso sistema político, não se formam blocos de maioria e oposição claros.
No parlamentarismo, isso é obrigatório porque, senão, o governo cai. No presidencialismo funcional também, a governabilidade impõe a formação de um bloco de sustentação parlamentar. Em um caso e outro, os parlamentares têm grande influência sobre a alocação de recursos orçamentários.
Quando era deputado, a introdução da emenda obrigatória foi uma libertação. Eventualmente, era de oposição. Designava R$ 15 milhões, dos quais apenas R$ 2 milhões ou R$ 3 milhões eram concretizados. O prefeito ou a entidade filantrópica ganhava a emenda, fazia despesas com a compra do terreno e com projeto de engenharia e arquitetura, e depois o dinheiro da obra e dos equipamentos não saía. Podia ser diferente se renunciasse às minhas convicções e votasse com o governo...
Vários especialistas têm feito comparações internacionais do valor total das emendas com as despesas discricionárias. Penso que o correto é comparar com a receita primária líquida total, já que a rigidez do Orçamento brasileiro está reduzindo cada vez mais o espaço livre para o governo governar.
As emendas, em 2025, corresponderão a 1,6% da receita disponível. Não é que o valor das emendas esteja alto, a margem de investimento é que está se tornando ridícula pelo engessamento orçamentário via vinculações e indexações.
As emendas individuais têm lógica inevitavelmente localista. As de bancada devem retomar sua vocação estruturante estadual; e as de comissão, de reforço às políticas públicas nacionais subfinanciadas.
É evidente que houve distorções, como a não transparência total e rastreabilidade, nas chamadas “emendas Pix” (uma resposta do ao excesso de burocracia que provocava um gap temporal de seis anos entre a destinação e a liberação) e a extinta “emenda de relator”. Isso está sendo corrigido.
Mas só quem não conhece o interior do Brasil, com seus mais de 4.000 municípios que vivem de FPM e não têm margem alguma de investimento, pode condenar a construção de uma unidade de atenção primária à saúde, uma creche, uma escola infantil, a aquisição de tratores para apoios aos pequenos produtores, ginásios poliesportivos, pontes, pavimentação de ruas, centros de fisioterapia, entre outros investimentos, viabilizados por emendas.
Creio que é preciso qualificar melhor o debate.
MARCUS PESTANA
Diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) e ex-deputado federal [email protected]
(*) O colunista entra em recesso até o início de outubro