Fica o meu aviso a qualquer um que sonha em exercer o cargo de vereador um dia: a vereança é ageira, todavia a ex-vereança é para sempre. Muitas das mensagens que chegam ao meu número no WhatsApp ou por meio das mídias sociais referem-se a questões da nossa cidade.
Durante oito anos exercendo um mandato no Poder Legislativo municipal, consegui listar todos os tipos de problemas que algum munícipe poderia me encaminhar. Claro, isso me ensinou muito sobre os 487 bairros da nossa cidade. E me ensinou muito sobre o funcionamento da prefeitura. Ou mais ainda sobre o que faz a prefeitura não funcionar.
Tomemos um caso que exemplifica o parágrafo anterior: um amigo, proprietário de um estabelecimento que segue todo o emaranhado de normas que existe nesta cidade para, em tese, torná-la mais organizada, enviou-me mensagens nesta semana dizendo que uma fiscal da prefeitura estava diante dele. E? E ela disse que, se ele não removesse os vasos ornamentais pesando algumas toneladas da frente do restaurante dele, ela voltaria mais tarde para multá-lo. Que beleza! Quem já identificou o erro? Pois é… Piora.
A Lei 8.616 de 14 de julho de 2003, no seu artigo 78, não prevê a situação de maneira clara. Trata-se do nosso Código de Posturas desatualizado em duas décadas. A Câmara Municipal de Belo Horizonte constituiu uma comissão especial presidida pela vereadora Marcela Trópia, do Partido Novo, no ano ado. O relatório, repleto de sugestões de modificações a serem encabeçadas pelo Poder Executivo, está à disposição de todos interessados. Basta assimilar, redigir um projeto de lei e . A vida vai melhorar…
Na ausência de legislação clara, a senhora fiscal acordou num dia ensolarado e pensou em contribuir para uma vida melhor em Belo Horizonte. Como ela decidiu fazer isso numa cidade repleta de problemas que não preciso listar? Ela decidiu ser ousada o suficiente para ameaçar (o termo é esse) um empreendedor por causa de dois vasos ornamentais posicionados de forma completamente distante da calçada propriamente dita. Para ser preciso, ambos estão no recuo da construção, rente à fachada do imóvel. Eu tenho absoluta certeza de que, uma vez removidos os vasos, a capital mineira vai melhorar! Aliás, vai deixar de ser a capital com maior inflação acumulada em 12 meses! A habitação? Variação de 4,29%! Claro, temos um Plano Diretor que tornou mais cara a construção… Tudo vem com um preço! Todavia, alvíssaras, meus concidadãos, os dois vasos ornamentais estão na mira do poder público!
Quando o ditador Costa e Silva assinou o AI-5, ato institucional que consolidou a ditadura brasileira, perguntaram a Pedro Aleixo, vice-presidente civil, se ele duvidava das mãos honradas que assinavam o texto. “Das mãos honradas do presidente Costa e Silva, jamais. Desconfio é do guarda da esquina”. A resposta ficou para a história.
Na última segunda-feira, o jornalista Murilo Rocha recebeu uma nota da Prefeitura de Belo Horizonte assinada apenas pela “Prefeitura de Belo Horizonte”, numa desproporcional e ional repreensão a um comentário dele na rádio. Como ninguém assinou pessoalmente, é de se perguntar: foram os três Atlantis? Na sede do Poder Executivo, aquele prédio erguido em estilo art déco, há três figuras masculinas pequeninas que erguem colunas onde se encontra uma papelada.
Teria sido a cartinha redigida por eles? Talvez tenha sido esse trio de homenzinhos acinzentados e minúsculos, que nunca viram um voto sequer na vida e se acham parte do próprio poder. Risos. Posso até imaginar o tempo que dedicaram à sua ridícula epístola censora que exala desespero…
Enquanto isso, sentindo-se valente, a fiscal decidiu exercer o poder. O poder, elemento da sociedade, leciono eu, só é legítimo quando consentido. Quem consente poder é o povo, por meio das urnas, e não alguém que acorda pela manhã achando que a cidade é seu experimento pessoal de autoridade. Eu, por exemplo, não exerço poder algum. Sou apenas mais um cidadão entre milhões que vai vendo uma cidade perdendo tempo. O gerúndio é o adubo das crises políticas.