OPINIÃO

Não discuto com a minha esposa: Simplesmente não consigo 3l676f

A discussão de relacionamento é uma miragem. Uma ilusão. 2n1w20

Por Fabrício Carpinejar
Publicado em 23 de maio de 2025 | 03:00
 
 
. Foto: Hélvio/O TEMPO

 

Não discuto com a minha esposa.

Não que eu não tenha tentado ou insistido, mas Beatriz é tão mineira, tão na paz, que é uma covardia prosseguir com a implicância.

Ela se interessa sinceramente pela minha infelicidade provisória, perguntando como pode ajudar. Fala baixinho, mansamente. Não tem sentido brigar assim, com quem se mostra em sintonia com os espíritos mais elevados.

Balança os ombros diante da minha insatisfação, diz que irá preparar um café e pão de queijo para conversarmos melhor. Como não se sentir desarmado com essas delícias fumegando na cozinha?

Descobri que dá para corrigir a convivência sem discutir. É um recurso absolutamente desnecessário, datado, retrógrado.

A discussão de relacionamento é uma miragem. Uma ilusão.

Você acredita que, a partir dela, a pessoa vai melhorar, vai se conscientizar das falhas, vai se esforçar mais para ser presente, vai propor mais carinho, vai tomar mais iniciativa, vai se apegar aos melhores momentos, vai ser abduzida pela saudade e pelo temor de perder alguém fundamental.

É isso que o senso comum supõe.

Só que acontece o contrário: as pessoas ficam ainda mais raivosas quando repreendidas. E pretendem se vingar. E aspiram à equivalência das faltas. Em vez de solucionar a própria conduta, procuram defeitos no outro para chamar atenção e quitar as cobranças.

O bate-boca piora a intimidade. Quem errou se vê em dívida e acaba se fechando, se retraindo, se zangando — e se indispondo para todo assunto sério. Foge do contato com medo da censura.

Impera um faz de conta de que discutir é saudável. Longe disso: é um indício de violência psicológica, de que a comunicação pela ternura, pelo corpo, pela rotina não funciona mais. É sinal de enfraquecimento da paciência e do respeito — num torvelinho de puro sofrimento. 

Ao discutir, você apenas demonstra que não é capaz de se explicar. Pois se avizinha do julgamento e da prestação de contas.

Na contenda verbal, o tom será elevado. Haverá gritos, ameaças, grosserias. Como isso faria bem?

Qualquer um se desespera e a dos limites, desembocando na distorção. Confissões antigas, que deveriam ser honradas e guardadas nos segredos, são trazidas à tona e usadas como arma. Você humilha o seu par, numa defesa reativa, escancarando os seus pontos fracos.

Discutir não é benéfico. É o fracasso do diálogo. A decadência do entendimento. O fiasco da sensibilidade.

Quanto mais você entra em choque, mais descobre a oposição. O estranhamento. A incompatibilidade com o parceiro. Reforça as divergências e fortalece a rejeição.

Quanto mais você discute, mais o amor se apequena, mais se aproxima do fim dos laços, mais a esperança enxerga os seus dias contados.

Como ocorre a dificuldade tradicional de se desculpar, uma discussão gera outra, e não se sai de nenhuma delas, e nem mais se sabe o porquê de estar discutindo.

Alguém já presenciou casal acordando feliz depois de longa refrega?

Jamais. Sempre existirá a ressaca da verdade, o repuxo do dia seguinte, a hostilidade por ter tocado nas feridas de cada um — e as infeccionado com as unhas sujas e encardidas da opressão.

Afeto não precisa de confronto para crescer. Agradeço à Beatriz por ter me inspirado a preservar as palavras e não profanar o silêncio.