Já faz algum tempo que tomar café da manhã fora de casa em Belo Horizonte deixou de ter como única opção o pão de queijo e o cafezinho na padaria da esquina. A experiência se transformou, ando pelo café colonial em padarias - com aquela sensação de buffet de hotel - e chegando ao brunch - com cardápios especiais para uma experiência gastronômica a qualquer hora do dia. Esse último, inclusive, é um costume britânico adaptado ao gosto do brasileiro e serviço principal de diversos estabelecimentos especializados nesse nicho.
A experiência de tomar um café ou um brunch com os amigos e familiares foi potencializada especialmente após o fim das restrições da pandemia da Covid-19. O belo-horizontino sentiu necessidade de estar junto das pessoas amadas e esses locais se mostraram como ambiente ideal para reuniões.
Com a demanda crescente, a todo momento a capital mineira ganha um novo espaço dedicado a brunchs ou cafés da manhã - tanto que até bares e restaurantes aram a investir nesse ramo. Caso, por exemplo, da parceria entre o Mira Beagá e Zuzunely, na Praça Sete,
Para a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), o crescimento desse tipo de negócio aproveita uma oportunidade de mercado que está em alta. Já no segmento de padarias, segundo o Sindicato e Associação Panificação e Confeitaria de MG (Amipão), o investimento em cafés da manhã, especialmente no modelo colonial, precisa ser avaliado com cautela, pois é um tipo de serviço que demanda mão-de-obra e o valor agregado pode encarecer o produto, afastando o consumidor.
Café com gosto da casa da vovó t5u60
Um dos espaços mais conhecidos do Mercado Novo, a Copa Cozinha é um desses locais que têm como carro-chefe o café da manhã. O ambiente das duas unidades da casa oferece acolhimento com cara de “cozinha de vó”, tanto na decoração quanto no cardápio. “O Copa Cozinha já nasceu para ser experiência de café da manhã e da tarde”, comenta Maíra Sette, uma das três sócias. No cardápio, nostalgia. O banquete de quitandas servido aos fins de semana inclui broa, bolo, pão de queijo, tortinha de liquidificador, pão sovado com queijo (especialidade da casa), torta de chocolate, pudim, biscoitos quebra-quebra e muito mais.
Nascida de um sonho que começou quando Maíra, Cristina Gontijo e Julia Queiroz ainda eram estudantes e dividiam apartamento em BH, o Copa Cozinha traduz a bagagem de experiências das três sócias, que vieram do interior. A proposta, ao abrir a primeira unidade em um pequeno espaço de “copa”, com uma única grande mesa para 12 pessoas no Mercado Novo, na região Central de BH, em 2018, era justamente trazer o prazer de comer comida interiorana.
E deu certo: em 2021, em plena pandemia, elas abriram a segunda unidade, no Floresta, região Leste, desta vez numa casa, com cara de interior e quintal, espaço que elas também ofertam para eventos, inclusive casamentos. Nos últimos 12 meses, o negócio cresceu 68%.
Zuzunely: de restaurante ao café da manhã 1r2344
Outro lugar que aposta na comida de avó é o Zuzunely, que, inclusive, é a junção dos nomes das avós da proprietária Bruna Haddad: Zulmira e Nely. A primeira unidade, localizada no Serra, região Centro-Sul, é uma casinha acolhedora. O local, que em 2018 foi aberto como restaurante e bar, ganhou nova cara durante a pandemia da Covid-19. Com o comércio fechado, Bruna apostou em cestas de café da manhã. O negócio deu tão certo que o estabelecimento cresceu nesse nicho, inclusive nas redes sociais: no perfil do Instagram, os seguidores aram de 6 mil para 34 mil durante o período.
“Muitas pessoas não conheciam o restaurante e conheceram depois pelas caixas. Chegamos em outras regiões que a gente não atingiria se não fossem as caixas. Recebemos pedidos até de gente de fora do país que estava mandando para alguém de BH”, revela Bruna. A partir daí, a casa se especializou em brunch.
Com o sucesso, neste ano Zuzunely abriu uma segunda unidade no espaço Mira, no alto do edifício Júlia Guerra, no hipercentro da capital. Seguindo a mesma proposta, a casa oferece um cardápio de brunch, com opções de refeições sofisticadas, mas com o mesmo carinho de “casa”. “A gente tentou trazer o mesmo tom acolhedor para o Mira”, comenta.
Valorização da economia local 2s4e2s
Nas casas de brunches, a atenção com a culinária mineira vai além das receitas. Os fornecedores das matérias-primas para produção das quitandas são, em sua maioria, produtores locais, da economia familiar.
Na Copa Cozinha, por exemplo, o biscoito quebra-quebra é uma receita da avó de duas sócias e feito por uma tia. Lá, o queijo vem de um produtor do Cerrado, os ovos caipiras de uma fazenda próxima de BH, o doce de leite de uma produção familiar vizinha da capital e os vegetais orgânicos também cultivados por uma família da região. “Isso faz parte do amadurecimento da empresa, ser criterioso em relação aos parceiros e fornecedores”, diz.
Na Zuzunely, os produtores locais também são valorizados pela cozinha. Um dos queijos usados nas receitas, por exemplo, vem de Sete Lagoas. Além disso, queijos de cabra, polpas de fruta e cafés selecionados também são adquiridos de produtores locais. “Nossos cafés são mineiros, de pequenos produtores, muito frescos e muito selecionados”, afirma.
Potencial de mercado 59y1r
Para o presidente da Abrasel, Matheus Daniel, o fato de BH ter sido eleita a cidade criativa da gastronomia, em 2019, abriu espaço para o mercado investir em novas propostas. “Quando você tem um título desse, o mercado percebe essa mudança. Isso (o brunch) é o uso da criatividade que a cidade tem para oferecer novas oportunidades”, sintetiza.
Matheus acredita que a moda dos cafés da manhã e brunches é permanente. “A gente sabe que não é a maior parte do público que frequenta, é um nicho específico, mas veio pra ficar, é uma evolução do que as padarias fazem com o café colonial, mas com um lugar próprio para isso. Além disso, muitas vezes são casas que trabalham com produtos artesanais”, diz.
Já o presidente da Amipão, que representa o setor de padarias em Minas Gerais, Vinícius Dantas, acredita que o investimento em café da manhã, inclusive no modelo colonial, nas padarias, precisa ser analisado com cautela. “Eu vi várias padarias se transformando, casas tradicionais prestando esse café com muito glamour, coisa que a gente via nas casas especializadas”, diz. “Mas prestar esse serviço demanda mão-de-obra, tem que ter alguém ali repondo os produtos, à disposição o tempo todo. Eu fico um pouco preocupado”, pondera.
O presidente lembra que a oferta de serviço como esse encarece o produto, o que muitas vezes não é bem recebido pelo consumidor. “O mineiro não costuma valorizar serviço, ele faz a conta ali do pão e do presunto sem considerar o serviço, a mão-de-obra por trás que está ali para servir”. Na visão de Vinícius, para uma padaria, o café da manhã no modelo colonial e os brunches podem ser um investimento arriscado. “A padaria precisa valorizar e qualificar o que já faz. É preciso esperar um pouco para ver se é isso mesmo que o mercado quer. Não sei se é tendência ou modismo.”