Ao lado da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia e da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, Alcione, 71, comanda o coro que entoa “Não Deixe o Samba Morrer”, num vídeo que se alastrou pela internet em agosto do ano ado. Na ocasião, Alcione prestigiava o seminário “Elas por Elas”, que debatia, em Brasília, o papel da mulher no poder estatal e na sociedade contemporânea.

Menos de um mês depois, a cantora maranhense usou suas redes sociais para declarar apoio à candidatura da ex-presidente Dilma Rousseff ao Senado por Minas Gerais. Os dois episódios distintos colocaram Alcione no centro de polêmicas virtuais que acusavam possíveis contradições, mas que traziam em comum a aliança com outras mulheres.

“Nunca fui de abaixar a cabeça para ninguém, acho que já nasci ‘empoderada’, como se diz por aí. Em nossa casa, aprendemos a não ser subservientes. Meus pais sempre me orientaram a não depender de homem nenhum”, declara Alcione. “Hoje, felizmente, a maioria das mulheres reconhece seus direitos e sabe que o lugar delas é onde quiserem. Infelizmente, alguns homens ainda pensam que são donos de nossos corpos e nossas mentes. Por isso, há tanta barbaridade, violência e até feminicídio”, denuncia.

Dona de um repertório que não esconde os desejos sexuais e afetivos da mulher, tampouco as dores provocadas por esses amores, Alcione se apresenta neste sábado (8) na capital, com o espetáculo “Eu Sou a Marrom”, criado para festejar os 45 anos de estrada, que agora já são 47. “A mulher Alcione continua a mesma, com os mesmos princípios e o mesmo caráter. É claro que, com o ar do tempo, a gente aprende a ser mais paciente e menos afoita”. 

A trajetória da artista confunde-se com seu apelido, que ela recebeu da família ainda quando era criança. A primeira apresentação aconteceu aos 12 anos. Foi uma rouquidão do crooner da Orquestra Jazz Guarani, regida pelo pai de Alcione, que levou a garota a pisar num palco pela primeira vez, para cantar a regionalista “Pombinha Branca” e o fado “Ai Mouraria”, em São Luís, onde nasceu.

“Me orgulho das minhas raízes. O Maranhão sempre estará comigo, e não apenas nas músicas que canto. Lá em casa tem até uma placa, entre muitas outras coisas que remetem à minha terra, que diz: ‘Embaixada do Maranhão’. É para todo mundo saber onde está pisando”, avisa. O sucesso em todo o Brasil não foi imediato. Maestro de banda, o pai de Alcione ensinou a filha a tocar diversos instrumentos de sopro.

Apesar disso, quando ela demonstrou interesse em seguir a carreira artística no Rio de Janeiro, o patriarca colocou uma condição: que ela asse pelo menos um ano lecionando em São Luís. “É claro que ele tinha receio do desconhecido, do que poderia me acontecer. Certamente, fez isso pensando que eu fosse desistir”, ite. A experiência como professora primária terminou de maneira inusitada.

Alcione ensinou seus alunos a tocar trompete e foi demitida pela direção, que não concordou com o conteúdo diferenciado, fora da grade curricular. “A música é fundamental para a formação das crianças e adolescentes. A cultura é primordial. Sempre tive o sonho de cantar, estar no palco, tocar nas rádios”, recorda.

O estouro popular e o começo da realização do sonho vieram em 1976, um ano depois de Alcione gravar o primeiro LP, “A Voz do Samba”, que trazia, entre outras, “Não Deixe o Samba Morrer”, responsável por propagar a voz da Marrom em escala nacional. “O samba sempre arranja um jeitinho de continuar vivo e atual. É como um aporte, a nossa principal carteira de identidade, assim como o futebol”, compara.

O pendor romântico levou Alcione a flertar com outros estilos, principalmente o bolero. Temas ionais, como “Você Me Vira a Cabeça”, “A Loba”, “Estranha Loucura” e “Sufoco”, se tornaram indissociáveis da figura da intérprete. “Sou uma popular sambista romântica”, define-se. “Posso cantar jazz, reggae, blues, forró”.

Com a morte de Beth Carvalho, em abril, a cantora perdeu uma antiga companheira de estrada. “Beth era uma grande artista, daquelas que entrarão para a história deste país. Ela tinha feeling para descobrir talentos, selecionar repertórios, e foi responsável pelo lançamento de tanta gente boa que ainda está por aí, além de redescobrir baluartes, como Cartola e Nelson Cavaquinho”. 

Sem se prender apenas ao ado de glórias, Alcione promete para breve um novo álbum de inéditas, que “está de cortar os pulsos”, diz. Ativa na web, ela vê com ressalvas esse ambiente tecnológico. “Gosto de falar com os fãs, notificá-los sobre as novidades da minha carreira, mostrar para os meus seguidores do que eu gosto. O que me causa desgosto é esse ódio que as pessoas andam disseminando por aí. Cada um deve cuidar mais da sua vida e deixar a dos outros em paz”, conclui.

Serviço. Turnê “Eu Sou a Marrom”, com Alcione, neste sábado (8), às 21h, no Minas Em Cena Hall (av. Coronel Oscar Paschoal, Pampulha, no Mineirão). De R$ 40 (meia) a R$ 1.200 (mesa com quatro lugares)

Ouça música que batiza a turnê de Alcione: