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Projeto de lei propõe proibir a construção de estruturas de transporte de minério em seis cidades do Estado
É habitual dizer que, na mineração, grande parte do valor do minério está na logística. A máxima é tão verdadeira que a teia de transporte de minério tornou-se o centro de um debate que envolve bilhões de dólares na região de Serra Azul, em Minas Gerais. Ele coloca em tensão os minerodutos, que um novo projeto de lei tenta impedir de ser construídos na área, e a instalação de uma ferrovia privada com um custo orçado em R$ 1,5 bilhão.
Por natureza, a mineração em Minas Gerais está no interior, por isso, o minério percorre longos caminhos até chegar aos portos para exportação. Localizada no Quadrilátero Ferrífero, a região de Serra Azul, na porção central do Estado, concentra de pequenas mineradoras a gigantes do mercado, como a ArcelorMittal e a Usiminas, que têm subsidiárias de mineração. Hoje, as atividades na área lotam de caminhões a BR-381, a chamada “Rodovia da Morte”, devido ao alto registro de acidentes.
Uma das soluções planejadas pelas mineradoras para contornar esse problema logístico, de custo e segurança é a construção de minerodutos — estruturas similares a largos canos que carregam minério com impulso da água por grandes distâncias. Ocorre que, agora, um projeto de lei (PL) quer proibir a construção de novos minerodutos em seis cidades da região — Belo Vale, Brumadinho, Igarapé, Mário Campos, Mateus Leme e São Joaquim de Bicas.
Uma fonte ligada ao alto escalão da mineração em Serra Azul afirma que, se forem impossibilitadas de construir minerodutos, as mineradoras podem deixar de investir US$ 4 bilhões na região na próxima década (o equivalente a quase R$ 23 bilhões), pois a exploração no local poderia se tornar inviável. “Isso [o PL] matará muitos projetos. Nossos planos agora estão em dúvida. As mineradoras facilmente ultraarão US$ 4 bilhões (em investimentos). Quem trará esse dinheiro ao Brasil com essa insegurança jurídica e esses custos que estamos obrigados a enfrentar devido a uma lei que garantirá o monopólio de transporte?”, questiona.
O Projeto de Lei nº 3.402/2025 foi apresentado pela deputada estadual Carol Caram (Avante) em meados de março e, desde então, foi aprovado pelas Comissões de Constituição e Justiça, de Minas e Energia e, atualmente, aguarda parecer da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, para a qual foi endereçado na última semana. Esta é a última comissão que precisa avaliá-lo antes de ele ser submetido ao plenário. A reportagem procurou a deputada, que não concedeu entrevista até a finalização desta matéria.
O texto do PL justifica que minerodutos na área apresentariam “risco de comprometimento do abastecimento hídrico através do Sistema Paraopeba, incluindo o Sistema Rio Manso, Sistema Serra Azul e o Sistema Vargem das Flores”, pois as estruturas demandam grandes volumes de água. Esse conjunto de reservatórios é responsável pelo abastecimento de cerca de 3,5 milhões de pessoas na região metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
O professor de engenharia das Universidades Federais de Minas Gerais (UFMG) e de Itajubá (Unifei) Carlos Barreira atesta que é possível devolver a água às bacias e garantir o abastecimento humano — seja transportando o volume, já limpo, de volta por outro “cano”, seja com injeção de água de outras bacias. “Em vez de proibir, poderia haver uma cláusula, uma condicionante de que a água precisa retornar em circuito fechado, recircular. Os minerodutos têm a vantagem de ser uma estrutura cercada e hiperdedicada. A ferrovia pode ser uma boa opção, mas invariavelmente consome mais energia, não pense que ela está isenta de qualquer problema. Não há nada de graça”, pontua.
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A Associação de Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig Brasil) avalia com desconfiança os efeitos de um PL proibitivo. “Achamos absolutamente estranho que haja, por parte da ALMG ou de quem quer que seja, a proibição de um transporte alternativo ao rodoviário, seja mineroduto ou ferrovia. As rodovias têm problemas gravíssimos não só de custo do transporte de matéria-prima, mas principalmente pelo nível absurdo de acidentes, que virou rotina”, salienta o consultor de Relações Institucionais e Econômicas da associação, Waldir Salvador.
Ele sublinha que é uma prerrogativa dos empreendedores decidir qual é o melhor modelo para cada negócio, mas que, em geral, o traçado de um mineroduto tende a ter menos impacto em uma área urbana do que uma ferrovia. “Em áreas já urbanizadas, como Serra Azul, não tem nem como comparar quantas vezes menos impactante é o mineroduto. A única ressalva que se faz é sobre os recursos hídricos, e quem define isso é um órgão técnico, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), e não o prefeito, a Câmara de Vereadores ou a Assembleia. Se houver viabilidade técnica, a decisão é do empreendedor, e não da classe política”, finaliza.
A Mineração Usiminas, a Mineração Comisa, a Mineração Morro do Ipê, o Grupo AVG, a Mineral do Brasil, a Minerita e a ArcelorMittal divulgaram uma nota conjunta em que expressam sua preocupação sobre o PL. “A proposta compromete a viabilidade dos projetos de expansão e planos de negócios previstos pelas empresas e cria uma insegurança jurídica para os investimentos em Minas Gerais. O PL existente atualmente inibe a coexistência de diferentes modais, com alto risco de monopólio. É importante reforçar que a legislação e o processo de licenciamento ambiental em Minas Gerais são robustos para mitigar impactos ambientais”, detalha o texto.
“As empresas entendem que para a formulação e aprovação de legislação pertinente ao tema, é fundamental a busca por embasamento técnico e participação de autarquias, órgãos técnicos e entidades da sociedade civil”, termina o documento.
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Do outro lado, uma ferrovia em Serra Azul
Com a possível proibição de minerodutos em Serra Azul, ganha uma ferrovia, indiretamente favorecida pelo projeto de lei. Hoje, o transporte de minério da região é feito majoritariamente por caminhões que seguem até as linhas da MRS Logística, que então leva o minério de trem até o porto de Sepetiba, em Itaguaí (RJ). Os eventuais novos minerodutos construídos na área não levariam diretamente até o litoral, e sim aos trens já existentes.
Agora, um investimento bilionário tenta substituir a primeira parte desse trajeto e ganha impulso com a potencial proibição de minerodutos na região. A empresa mineira Cedro Participações projeta investir R$ 1,5 bilhão em uma ferrovia privada para ligar as mineradoras aos trens da MRS. A própria empresa atua em diversos segmentos, inclusive mineração, mas não possui minas na área.
Com 26,4 km de extensão, a ferrovia é uma shortline — ou seja, tem uma escala menor do que as convencionais. A construção foi autorizada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), e a previsão da empresa é que as obras sejam iniciadas em 2027 e a operação se inicie em cinco anos.
A empresa enfatiza o potencial da ferrovia em esvaziar a BR-381, de onde estima que conseguiria retirar 5.000 carretas diariamente e, assim, reduzir em 44 mil toneladas a emissão de CO₂ por ano. “O traçado está sendo devidamente planejado em conformidade com as melhores práticas, ao minimizar a construção de pontes, túneis e cortes em rochas, assim como a concepção geral do projeto, em respeito às áreas de proteção e ao consumo mínimo de recursos hídricos da região”, destaca, em nota.
O projeto não é um consenso, entretanto. Uma fonte do alto escalão de uma mineradora em Serra Azul calcula que o custo de operar na ferrovia seria maior do que o transporte por minerodutos e, segundo ela, dificultaria a mineração na área. “É um negócio privado, e não sabemos o quanto seria cobrado no longo prazo”, diz.
A iniciativa também se tornou caso de disputa judicial. A MRS Logística questionou a ANTT sobre a autorização para a construção da shortline, pois a empresa teria direito de preferência para construção de uma ferrovia no trecho. O debate foi levado à Justiça, que, em novembro do último ano, manteve a decisão favorável da ANTT à Cedro Participações. “A outorga por autorização à empresa Cedro Participações S.A. seguiu todos os procedimentos legais e regulamentares vigentes. Atualmente, no âmbito da ANTT, a autorização para implantação do Ramal Serra Azul permanece vigente”, reafirma a ANTT, por meio de nota. Procurada pela reportagem, a MRS limitou-se a dizer que “não comenta assuntos judicializados”.
Também em nota, a Cedro Participações frisou que, além de não ter nenhuma mina na região de influência da própria ferrovia, não possui projetos de minerodutos e sequer tem conhecimento do PL que tenta restringi-los.