Após o recuo do governo ao informar a revogação das regras que ampliariam a fiscalização sobre transações feitas por Pix, especialistas cravam uma derrota do Executivo do ponto de vista político e da comunicação. A Instrução Normativa que tratava do monitoramento ampliado sobre as transferências bancárias ficou em vigor apenas 14 dias e foi suspensa pelo governo após uma série de críticas da oposição, de alguns representantes do comércio e da divulgação de falsas notícias sobre o assunto. 

Em resposta, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou o envio de uma Medida Provisória (MP) para o Congresso e investigação contra pessoas que divulgaram informações equivocadas sobre as normas do Fisco. Na avaliação do cientista político e professor do Ibmec e da Universidade Federal de Ouro Preto Adriano Cerqueira, a revogação das normas foi uma derrota para o governo do ponto de vista político, mas sobretudo de comunicação nas redes sociais. 

“É um assunto bastante cuidado, uma medida que impactaria milhões de brasileiros, e foi lançado em período de férias, sem uma estratégia clara de comunicação. O governo deveria ter se preparado melhor, porque da maneira que foi feito abriu chances para uma série de preocupações da população”, comentou. 

Cerqueira salientou, ainda, que o governo aprendeu, ao recuar sobre o assunto. “De forma dura, mas aprendeu que esse tipo de assunto, que meio que indiretamente envolve tributação, o fórum adequado de discussão não é em um ato burocrático do Ministério da Fazenda e da Receita Federal”, acrescentou. 

O professor e pesquisador de comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Camilo Aggio acredita que houve falta de planejamento do governo para tratar sobre o assunto. Ele afirmou que ao propor mudanças como as apresentadas na Instrução Normativa, a União demonstrou uma má compreensão do significado social do Pix na sociedade. 

“O Pix não é mais um mero instrumento de transação financeira. É uma ferramenta fundamental para as transações que é utilizado desde o guardador de carro até os grandes empresários do varejo, ando pelos pequenos comerciantes”, criticou Aggio. O docente também citou falta de debate amplo sobre o assunto. “O caminho escolhido pelo governo foi profundamente incorreto e, inclusive, foi no limite do amador, ao ignorar a parte do valor social do Pix”, resumiu. 

O professor da UFMG ainda observou que o vídeo gravado pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL), usando a mudança na fiscalização do Pix para citar promessas de campanha do governo que não teriam sido cumpridas, como um dos responsáveis pelo recuo do Executivo. O material soma mais de 2 milhões de curtidas nos perfis do parlamentar no Instagram e no TikTok e quase 6 milhões de visualizações.  

“Você tem, obviamente, uma derrota do governo e o vídeo do Nikolas tem, inegavelmente, um impacto determinante que talvez tenha sido o último sinal que o governo precisava para tomar essa decisão. O vídeo é consequência de uma série de insatisfações difusas que estavam sendo disseminadas nas redes sociais, mas há distorções, meias verdades, algumas mentiras, mas ele conseguiu direcionar o discurso para trabalhadores de baixa renda”, finalizou. 

Comércio apreensivo  4sm22

No comércio, o sentimento em relação a possível mudança era de preocupação. O presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio MG), Nadim Donato, afirmou que a desinformação em torno da normativa gerou confusão e insegurança no setor. “Essa situação prejudica a confiança dos empresários e impacta negativamente as vendas e a economia do país”, disse. 

Donato reforçou que a entidade, desde o início do ano, trabalhou para esclarecer dúvidas de sindicatos e empresários sobre o assunto, para evitar uma debandada no uso da ferramenta. “Buscamos tranquilizar o empresariado, enfatizando que não há motivos para deixar de utilizar o Pix, que foi criado para facilitar a vida das pessoas”, complementou. 

O representante do setor, por fim, criticou a condução do processo pela União, citando falta de planejamento e comunicação. “É crucial que o governo federal adote uma postura mais transparente, fornecendo informações claras e íveis. Com transparência e clareza, os cidadãos poderão compreender suas obrigações e trabalhar com tranquilidade. A comunicação efetiva é a chave para dissipar incertezas e garantir um ambiente favorável para a nossa economia”, finalizou Nadim Donato.