O debate em torno dos itens da cesta básica que serão isentos com a nova reforma tributária, realizado por um grupo de trabalho formado por 14 deputados federais, vem recebendo pressão dos mais diversos lobbies das indústrias de produção no Brasil. Atualmente, a cesta básica possui uma variedade que chega a 100 itens e, após a aprovação do texto que regulamentará a isenção de impostos, a expectativa é que a lista seja reduzida para cerca de 35 produtos.
Diversos setores da indústria e comércio vêm intensificando a pressão em cima das autoridades para manter seus produtos de interesse dentro da cesta básica e, consequentemente, conseguir a exoneração junto à reforma tributária. Nesta semana, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), por exemplo, emitiu um comunicado afirmando considerar um equívoco incluir na cesta básica nacional apenas carnes menos nobres, deixando as peças mais caras fora da desoneração fiscal. Até mesmo a Associação Nacional das Indústrias de Vinagre (Anav) solicitou a inclusão do vinagre entre os itens essenciais que terão impostos zerados.
Marília Sobral, coordenadora de inovação e estratégia da ACT Promoção da Saúde, participou dos debates e disse que, muitas vezes, os setores empresariais possuem os prioritários nas discussões. “O o é muito maior dos setores econômicos do que a sociedade civil em uma audiência pública. Muitas vezes o debate usa de argumentos, ou sem fundamento ou evidências, que não são livres de conflitos de interesse. Começamos a perceber vários casos que são usados de fachada, protegendo a saúde do brasileiro, mas na verdade é uma reserva de mercado para o setor”, conta.
A especialista aponta que, no primeiro momento, os alimentos mais saudáveis e menos prejudiciais à saúde deveriam ser o foco da desoneração, enquanto os ultraprocessados deveriam, por outro lado, ser sobretaxados. Para ela, esses deveriam entrar na lista do “imposto do pecado”, onde já estão cigarro e bebidas.
“A evidência sobre os malefícios dos ultraprocessados está bem robusta. Recentemente uma pesquisa associou eles a mais de 30 doenças. Além disso, os impactos do meio ambiente estão ficando cada vez mais claros. Pegando as bebidas açucaradas, você pode ter a partir de 168 a 300 litros de água para produzir 15 ml de refrigerante considerando toda a cadeia de produção. Há um impacto ambiental para fazer um produto totalmente supérfluo. O imposto seletivo são para produtos que fazem mal à saúde e ao meio ambiente, os ultraprocessados possuem evidências suficientes e deveriam ser alvo”, explica.
De acordo com a especialista, a isenção de impostos pode garantir que alimentos ricos em nutrientes possam estar mais presentes nas refeições dos brasileiros. “O o à alimentação saudável está cada vez mais distante da mesa dos brasileiros e isso tem várias razões e uma delas é essa situação tributária atual. Os alimentos saudáveis, principalmente in natura, não têm um tratamento fiscal favorável comparado aos ultraprocessados, que conseguem absorver choques de inflação porque em sua composição não tem só ingredientes orgânicos. A isenção fiscal teria que estar alinhada com o guia alimentar. Temos que promover os alimentos in natura e minimamente processados. Esse deveria ser o grau orientador da política fiscal econômica”.
Ela também destaca que uma maior taxação sobre os ultraprocessados poderia permitir uma maior arrecadação e, consequentemente, a possibilidade de incluir mais alimentos saudáveis à lista da cesta básica. “Taxar os industrializados também pode abrir espaço para isenções. Como um dos objetivos não é aumentar arrecadação, a cada isenção precisa contrabalancear com a alíquota maior. tributar os ultraprocessados, além de promover a redução de consumo, também pode abrir espaço para uma maior isenção dos alimentos saudáveis”, completa Marília.
Atualmente, a tributação da cesta básica é feita pelo PIS/PASEP e a Cofins no nível federal e o ICMS a nível estadual. Os impostos do Governo Federal foram reduzidos a zero após três leis publicadas, duas em 2004 e uma em 2013.
Relatório na quarta-feira
Um Grupo de Trabalho (GT), coordenado pelo deputado federal Reginaldo Lopes (PT), foi criado para discutir a parte do texto da reforma tributária que fala sobre a desoneração dos itens da cesta básica. Durante o último mês, diversas reuniões sobre o tema foram feitas e o relatório preliminar deve ser apresentado na próxima quarta-feira (3). “Encerramos os diálogos. Fizemos diversas audiências em 30 dias. Definimos que a cesta básica garanta a segurança alimentar, nutricional e que seja de alimentos menos industrializados. É super normal a pressão de fora, já que abrimos o debate e demos total transparência para as partes. Todos foram convidados a falar”, diz o deputado.
O deputado ainda defendeu a maneira em que a reforma tributária está sendo conduzida. Para ele, o novo projeto vai beneficiar as classes mais baixas. “A reforma tributária é certa e eu falo isso do ponto de vista que ela se tornou mais progressiva, popular. Ela compreendeu que o melhor mecanismo de redistribuição de justiça tributária é fazer o cashback. Com ele, você devolve o dinheiro para as pessoas de menor poder econômico”, finaliza Reginaldo.