O número de homicídios ocultos (que não entraram na estatística registrada pelo governo do Estado) entre 2012 e 2022 em Minas Gerais foi de 4.446. Na prática, isso significa que a quantidade de pessoas que perderam as vidas de forma violenta, mas sem causa oficialmente descoberta, nas cidades mineiras nesse período é 39% maior do que os assassinatos que entraram nos registros em todo 2022. Naquele ano, a cada sete mortes violentas oficializadas em Minas, uma não teve a causa descoberta. Uma diferença que, na avaliação dos pesquisadores do Atlas da Violência, prejudicam as análises de violência fatal e destoam do restante do país, uma vez que está concentrada em Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco.  

Os dados, levantados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram divulgados nesta terça-feira. No Brasil, entre 2012 e 2022, foram registrados oficialmente 609.697 homicídios. Porém, levando em conta os 51.726 homicídios ocultos estimados pelos pesquisadores, o número sobe para 661.423.

Técnico de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado (Diest/Ipea), Daniel Cerqueira, explica que foram trabalhados dados oficiais do Ministério da Saúde para se chegar ao número estimado de homicídios ocultos. "Todo mundo que morre de morte violenta no Brasil, por lei, o médico legista tem que expedir a declaração de óbito. Ele vai esclarecer o que ocasionou a morte, se foi um acidente, um homicídio ou um suicídio. Mas, muitas vezes, o legista não tem condições de saber o que aconteceu e deixa em branco esse campo. A Secretaria de Saúde, ao pegar essa declaração, vai tentar entender o que aconteceu com aquela vítima, e vai buscar dados junto à polícia, que, muitas vezes, falha em elucidar a situação. Muitas vezes a polícia até descobre o que aconteceu, mas não dá essa informação à Secretaria de Saúde, surgindo essas mortes não especificadas, uma espécie de cova rasa da estatística", ponderou.

Ainda segundo o técnico envolvido no Atlas da Violência 2024, no Brasil, esse número de homicídios ocultos é muito superior ao dos países mais desenvolvidos. "E ele aumentou muito a partir de 2018, portanto, a queda dos homicídios registrada nos últimos foi, na realiadade, menor do que a oficial, pois está relacionada ao aumento dos homicídios ocultos", conclui Cerqueira.

O documento esclarece que, entre 2012 e 2017, o número de mortes ocultas no Brasil tinha uma taxa de 1,8 homicídio por 100 mil habitantes. Já entre 2018 e 2022, a diferença média aumentou para 2,8 homicídios ocultos por 100 mil habitantes. "Ou seja, parcela da queda dos homicídios registrados a partir de 2018 pode ser creditada a uma piora na qualidade dos dados, que fez com que existissem mais homicídios que ficaram ocultados nas estatísticas oficiais”, exemplifica o Atlas. 

“Considerando o período entre 2019 e 2022, concluímos que ocorreram no Brasil 24.102 homicídios ocultos, que aram ao largo das estatísticas oficiais de violência no país. Tais homicídios, cujas causas verdadeiras o Estado não reconheceu, corresponderiam a tragédias invisibilizadas como a queda de 160 boeings totalmente lotados sem sobreviventes”, compara o documento. 

Maquiagem de dados e problemas estruturais

Ouvido por O TEMPO, o presidente do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais (Sindpol-MG), Wemerson Silva de Oliveira, também destacou que outro importante fator para o aumento no número dos chamados homicídios ocultos é o que ele chamou de "maquiagem" nas ocorrências. 

"O sindicato vem denunciando isso desde 2022. O que acontece é que, por exemplo, a polícia registra como lesão corporal uma pessoa atingida por uma facada. A vítima é socorrida, mas morre. Porém, no sistema do Estado, fica registrado como lesão corporal. Temos casos de homicídio que ficaram registrados como vias de fato", reclama. 

O especialista em segurança pública Jorge Tassi argumenta ainda que, outro ponto importante está relacionado aos registros de desaparecimento, já que, uma grande parte desses casos nunca solucionados são homicídios que não tiveram uma conclusão, já que, em muitos deles, nem mesmo um corpo foi localizado. "Esse número (de pessoas desaparecidas) é muito grande, e a gente não consegue determinar o motivo. Quantas são vítimas de sequestro, quantas de homicídio, ou tráfico de pessoas, quantas são vítimas de venda de órgãos?", argumenta. 

Ainda conforme Tassi, outro ponto importante que contribui para o grande número de homicídios ocultos no Estado, é a falta de estrutura da Polícia Civil, que é responsável pelas investigações destas mortes violentas. "A polícia, o instituto de criminalística, fazem um trabalho muito bonito, com o pouco que têm de estrutura. Falta pessoal, falta material, falta integração", completa Tassi. 

Aumento das mortes

Pela primeira vez, desde os dados de 2015 para 2016, Minas Gerais voltou a registrar aumento dos homicídios no Estado. O número estava em queda ano após ano desde então. Em 2021, foram registrados 2.577 assassinatos em Minas, enquanto em 2022 o número subiu para 2.699, uma diferença de 4,7%.

A reportagem procurou o governo de Minas, por meio da Secretaria de Estado de Justiça e Segunça Pública (Sejusp), que informou, por nota, que suas estatísticas consideram apenas dados do Registro de Eventos de Defesa Social (Reds), os chamados Boletins de Ocorrência, enquanto o Atlas considerou informações do Ministério da Saúde para estimar o número de homicídios ocultos. 

"Vale mencionar que estão embutidos, neste dado, mortes de pessoas que sofreram um homicídio tentado e que morreram no hospital, meses após a sua internação. Ou seja, não são consideradas as classificações policiais ou qualquer registro de ocorrência pela segurança pública (...) destacamos que não é correta a interpretação da demanda de que homicídios ocultos e/ou estimados poderiam se tratar de mortes não esclarecidas ou elucidadas pela Polícia Civil ou Segurança Pública", escreveu a pasta. 

Número de homicídios registrados pelo Estado

  • 2022 - 2.699 
  • 2021 - 2.577
  • 2020 - 2.743
  • 2019 - 2.853
  • 2018 - 3.372
  • 2017 -  4.299
  • 2016 - 4.622
  • 2015 - 4.532
  • 2014 - 4.724
  • 2013 - 4.717
  • 2012 - 4.562

Número de homicídios estimados pelo Atlas em MG

  • 2022 - 3.151
  • 2021 - 3.082
  • 2020 - 3.171
  • 2019 - 3.326
  • 2018 - 3.733
  • 2017 - 4.769
  • 2016 - 5.022
  • 2015 - 4.975
  • 2014 - 5.104
  • 2013 - 5.041
  • 2012 - 4.812

 

Mortes ocultas estimadas em MG pelo Atlas

  • 2022 - 452
  • 2021 - 505
  • 2020 - 428
  • 2019 - 433
  • 2018 - 361
  • 2017 - 470
  • 2016 - 400
  • 2015 - 443
  • 2014 - 380
  • 2013 - 324
  • 2012 - 250

(Com José Vítor Camilo)