Chega o Dia do Orgulho LGBTQIAPN+, celebrado todo 28 de junho e, com ele, os lamentos de algumas pessoas, que perguntam “por que não existe o Dia do Orgulho Hétero também?”. A resposta à pergunta, concordam pesquisadores da diversidade sexual, é simples: porque não há necessidade de ele existir.
O orgulho se contrapõe à vergonha, e não há vergonha associada à heterossexualidade. Na infância, crianças cisgênero (isto é, que se identificam com o gênero que designaram a ela, ao contrário de pessoas trans) e heterossexuais não aprendem que há algo errado com elas. Pelo contrário, são parabenizadas por ter os comportamentos esperados “de meninos” ou “de meninas”, explica a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Joana Ziller, coordenadora do Grupo de Estudos em Lesbianidades (GEL).
“O orgulho hétero está na nossa sociedade toda. O orgulho hétero é quando um menino se mostra forte e o pai ou a mãe dizem que são orgulhosos, é quando a menina se mostra doce o pai e a mãe dizem que estão orgulhosos. A nossa sociedade é montada para a heterossexualidade. Tudo que as pessoas fazem dentro da heterossexualidade já demonstra orgulho”, introduz Ziller.
“Desde que uma pessoa nasce, ela aprende que o certo é ser hétero. Quando a pessoa ainda é muito novinha, ela ainda não tem muito noção disso. Mas, na medida em que ela cresce, isso vai ficando mais fixado”, prossegue. A diferenciação entre os gêneros e o reforço da heterossexualidade já estão nas brincadeiras de criança, exemplifica a professora. Meninos são estimulados a brincar com meninos, se aventurar e esperar que, quando cresceram, uma mulher cuidará deles. Meninas ganham bebês de plástico (já que se espera que sejam mães), inhas (pois supõem-se que cozinharão para a família) e são estimuladas a esperar seu príncipe encantado. “Vamos aprendendo essa estrutura desde muito cedo e também que outras possibilidades são inadequadas”.
Doutorando em psicologia pela UFMG e pesquisador sobre movimentos sociais LGBTQIAPN+ no Sertão do Pajeú (PE), Robson Costa complementa: “você vê algum hétero perdendo a vida por ser hetero? Você vê um hétero tendo direitos negados por ser hétero? Tendo que sofrer intolerância, processos de discriminação, atos de transforbia, homofobia, bifobia, lesbofobia, procesos de opressão diariamente pelo fato de ter uma sexualidade que se coloca como norma?”.
Em 2023, foram contabilizadas 257 mortes violentas de pessoas LGBTQIAPN+, segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), que compila esse histórico. “Quando citamos esse dado, as pessoas dizem que o Brasil é muito violento e que tiveram um amigo hétero assassinado. Sim, mas ele morreu em um roubo, em uma briga. As pessoas LGBTQIAPN+ morrem em roubos, em brigas, mas também apenas porque são LGBTQIAPN+. Aí é que mora a diferença”, argumenta a professora Joana Ziller.
Dito isso, não existe heterofobia — se você não entende por que, O TEMPO explicou aqui. “Não existe em qualquer lugar do mundo alguém sofrer preconceito, apanhar, ser morto em razão da sexualidade heterossexual. Isso acontece apenas com a comunidade LGBTQIAPN+. Para ver algum tipo de fobia, preconceito, precisar ver qualquer tipo de violência, seja física, seja psicológica, seja nas redes sociais”, resume o presidente da Comissão Estadual de Diversidade Sexual, Gênero e Minorias da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Washington Fabri.
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Sempre “fora do armário”
A opressão pode ser violenta e, ao mesmo tempo, sutil. Pessoas LGBTQIAPN+, continua a pesquisadora Joana Ziller, crescem com a noção de que estão erradas, reforçada por toda a cultura ao seu redor. “A maioria das religiões tem papel importante nisso, mas esse não é só aprendizado religioso. É um aprendizado que está na mídia. Por exemplo, se você for assistir aos programas e desenhos infantis, sejam eles para crianças bem novinhas ou para crianças maiores, isso está presente o tempo todo. A família heterossexual, o jeito heterossexual de viver. Então, a gente aprende na escola, na família, na mídia, na religião, o tempo todo que o certo é ser heterossexual”.
Sem a pressão familiar e na rua por não se encaixar em um padrão esperado, pessoas cis e heterossexuais não sentem a necessidade de “sair do armário” para família e amigos — sua orientação sexual e sua identidade de gênero são a norma. Já para pessoas LGBTQIAPN+, é comum o rito de agem de “sair do armário”, momento que implica serem aceitas ou rejeitadas por quem amam.
“A resposta para não existir o Dia do Orgulho Hétero é bem clara. A pessoa cis e heterossexual não vai sofrer, por exemplo, a rejeição da sociedade, da família, o assédio, o medo, a violência como as pessoas LGBTQIAPN+ sofrem pelo fato de terem uma vivência de sexualidade tida por esta sociedade como marginal, como pecaminosa”, conclui Costa, doutorando em psicologia.
Não só orgulho, mas exigência de direitos
Junho, o mês do orgulho, tomou contornos comerciais, com empresas e marcas que tentam capitalizar sobre a data e reforçar uma imagem positiva ao se declarar aliadas da população LGBTQIAPN+. Mas a origem do Dia Internacional do Orgulho é política e está nas ruas.
É preciso um pouco de história para entender. O Dia do Orgulho LGBTQIAPN+ surgiu de uma reação à violência do Estado contra essa população no final dos anos 60. Quando as autoridades fizeram mais uma batida policial violenta no bar LGBTQIAPN+ Stonewall, em Nova York, os frequentadores decidiram reagir e tomaram as ruas para enfrentar o poder público.
“Essa data nasce de uma reação, de um movimento de resistência. Não é só nós dizendo que não há nada errado em sermos quem somos. Essa data remete ao momento em que, depois de sofrer muita opressão, as pessoas dizem ‘Não, chega, vocês não vão fazer isso conosco, tem uma coisa errada em vocês nos tratarem dessa maneira’”, enfatiza a professora Joana Ziller.
“Não tem nada errado em ser LGBTQIAPN+. E é por isso que precisamos deste Dia do Orgulho para nos lembrar de que está tudo bem, de que não tem nada errado conosco. Para lembrar a nós e também para lembrar à sociedade”, sintetiza.